às 3 da manhã do dia 31 de Janeiro
Escrevo e ao mesmo tempo ouço uma melodia maravilhosa de um quinteto de sopros. Por que gosto tanto da música? Por que a música dos instrumentos é tão cativante? Como pode algo chamar a atenção sem querer, ou ter como pretensão, comunicar qualquer coisa, querer dizer alguma mensagem específica? A música não comunica porque comunicar seria simplório demais, ela orgulha-se por conseguir - por breves momentos, é claro, organizar o tempo, retê-lo na sua pressa, transformá-lo em formas impalpáveis aos olhos mas perfeitamente sensíveis ao espírito. Diagramas dos mais variados tipos, das mais variadas cores e intensidades são desenhados no espaço e no correr do tempo sem deixar vestígios definitivos porque o que fica não é o que passou ou o que "é" mas o que está por vir. O meu coração prepara, antecipa, investiga, sugere o próximo acorde e quando acerta na aposta inunda-se de satisfação e mesmo quando é surpreendido com um som inesperado não se decepciona, mas diverte-se com seu próprio equívoco que rapidamente é registrado como uma possível alternativa futura. O som chega mas não fica e por não ficar deixa que nós o transformemos em expectativa - graças a Deus não posso pegá-lo entre as mãos, dominá-lo, apropriá-lo, afinal, se tivesse tal poder deixaria escapar a sua mais nobre qualidade: a sua finitude. Nesse sentido ele se aproxima do próprio tempo que não cessa de fluir, não cessa de começar para logo em seguida terminar: manhã-noite, vida-morte. É na vida e na morte que o som se faz presente: na sua imponente melodia que não seria melodia e muito menos imponente se a sua recusa: o silêncio não a sucedesse ou a precedesse. Silêncio que, por sua vez, não carregaria sentido algum caso não fosse contrariado pelas intromissões sonoras.
É por isso: gosto da música porque ela escorre entre as minhas pretensões de querer retê-la para mim. Assim como não tenho o domínio sobre o tempo, sequer o tenho pela minha própria vida, o som ensina-me a deixar a razão aceitar algo que é infinitamente mais poderoso do que seu ansioso desejo por esclarecimento: o imponderável, aquilo que se faz presente fora dos domínios racionais. Aprendo a ser humilde, observo os movimentos que me envolvem independente do meu impulso de querer compreendê-los. Não é preciso tocar em nada, basta deixar-se levar pelas incertezas das melodias. Quando chega o silêncio, sem qualquer vergonha, admito-me ignorante, vazio, e pacientemente coloco-me a espera de novos acordes.
Escrito por Francisco na madrugada do dia 31.01.07
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ResponderExcluirse encontrou no som disponível de sempre, mas que agora, depois de explorar, ouvindo, aquela composição orgânica, faz rebentar o quadro da técnica serial, sua composição é, interpretação desse sempre.
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