quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

TEATRO, MISTÉRIO, VIDA E ASSOMBRO.


Por que eliminamos os “porquês”?
Por que a vida se encarrega de eliminar as dúvidas para dar lugar às certezas?
Não, não é a vida que ajusta os ponteiros para que batam seus tique-taques simétricos,
somos nós que ansiosos por esclarecer o que é duvidoso teimamos em preferir o certo ao incerto.
Por que me encanto tanto com o teatro? Por que repito semanalmente o ritual de respirar fundo atrás das cortinas para esperá-las abrir? Muitos definem esse interesse por paixão, vocação, mas eu o chamo de assombro. É assombroso não saber o que virá depois de a cortina se abrir, é assombroso permanecer no escuro a espera do terceiro sinal, é assombroso perceber-se na mais profunda dúvida sobre o que virá quando as luzes se acenderem. Que sensação absurda é essa de ter certeza de que a vida hoje, nesse instante, se forma independente da minha vontade de querer tabulá-la?
O teatro, justamente por trabalhar com a repetição me ensina que a vida não se repete nunca, nem mesmo quando estou plenamente convicto do papel que me cabe desempenhar. O texto, habilmente decorado pelo ator, só tem sentido em existir para ser esquecido no momento seguinte em que sai da boca do intérprete. Repeti-lo decorado é o passaporte para a morte – que é o fim último da nossa mais profunda certeza. A vida pertence ao reino da incerteza e, principalmente, ao mistério. O teatro, com o seu microcosmo de magia, é o perfeito laboratório para testarmos o quanto precários somos e, por isso mesmo, o quanto é assombroso saber-nos ignorantes.
Nada disso é tranqüilo, toda a semana, momentos antes de as cortinas se abrirem, pergunto-me desesperadamente porque diabos estou enfrentando mais uma vez essa mesma sensação desconfortável. Mais fácil seria ter certeza sobre os relatórios a serem preenchidos em algum escritório qualquer, não só mais fácil como também mais reconfortante.
É duro abrir mão das certezas, o preço que se paga é alto mas a recompensa vem em dobro, em forma de vida que pulsa nas veias.
Escrito por Francisco Carvalho, em 30.01, às 2:47

5 comentários:

  1. Chico, não sei se você já leu Clarice, mas no livro "paixão segundo GH" somos lançados à angústia da personagem cujas certezas, decalcadas na alma, foram abruptamente corrompidas. A personagem coloca-se a todo tempo a difícil tarefa de amputar a terceira perna - que apóia o corpo mas impede o deslocamento - que cisma em renascer.
    De certo modo, nossa limitação humana não condiz com uma vida incerta. Ou melhor, nossa única certeza é tão assombrosa - a própria morte - que recorremos sempre à verdades mais amenas e agradáveis mas que, muitas vezes, servem apenas para velar nosso medo e angústia de ir "vivendo o que for sendo".
    Gosto muito de ir lendo seu blog, pra seguir pensando. Bem assim, no gerúndio mesmo. Mil vezes o gerúndio do que o futuro do pretérito! Senão a vida é regrada a "deveria", "seria", "queria" ...

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  2. Olá,
    Chico.Tive o prazer de assistir agora a pouco"Réquiem" e simplesmente apesar do cansaço que habita em mim,eu vasculhei rapidamente e consegui encontrar seu blog.Escrevo com os olhos ainda brilhando com o que acabei de conferir e sinceramente o trampo de voces consiguiu mexer comigo e amar ainda mais essa loucura que é ser ator e conseguir invadir as pessoas de uma maneira tão especial e magnífica.Saio apenas com algumas palavras,saio sem querer falar muito,apenas ansioso para não segurar as lagrimas que caem nao de tristeza mas de alegria de ver um espetáculo admirável.Com certeza terei de ir novamente,recomendarei para os amigos,e quero sentir -me entregue a atuação de vcs que são bons pra caramba.Tudo de bom para vc e o elenco.Forte abraço.

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  3. Só para acertar:esse comentario foi feito as 00:35 e o horário saiu errado,não sei o pq.Bem no dia em que O Velho pede para A velha sentar , a mala caiu duas vezes e ela passa rindo forte.Quando ele aperta suas bochechas.Imprevistos acontecem.

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  4. Muito obrigado pelas suas palavras Thiago!
    seja sempre bem vindo em nossa platéia!

    abração!

    Chico

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  5. Felipe! Vou atrás da Clarisse Lispector! Seu comentário foi inspirador! Muito obrigado e abração!

    Chico

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