quarta-feira, 1 de abril de 2009

Dom Quixote, alma de artista.


Por que a alma do artista interessa-me mais do que aquela pertencente ao homem acostumado com a sua sobrevivência?

Por que este último aspira, mesmo em sua inocência, ao verdadeiro e, para isso, usa o julgamento como ferramenta de defesa – o outro, dessa forma, não escapa do jugo daquele, que, invariavelmente, o classifica de acordo com sua tabela de valores. É um homem preso em grilhões forjados não por ele, mas por alguma instância que não sabe reconhecer e a qual credita o status de “verdade”.

O artista, por sua vez, aspira ao falso, não porque não acredita na verdade, mas porque vive por buscar uma verdade que o satisfaça intimamente e que, ao contrário da outra, não servirá como ingrediente no cardápio dos consensos. Por essa razão a busca nunca termina, porque tê-la como encerrada é o mesmo que admitir uma soberania enganosa que recairá novamente numa escala de valores e, portanto, no julgamento.

A busca do artista é solitária, em última instância, o próprio artista é um ser solitário, não por opção, mas por necessidade. Aspirar ao falso é enveredar pelo caminho da vida como devir, como percurso de transformação que nunca congela qualquer movimento em certezas. Não será essa justamente a única certeza que a vida nos ensina? A de que somos perenes ao movimento e, portanto, parte constituinte dele?

O artista é um ser iluminado porque opta pelo caminho da bondade. Sua busca solitária não o torna obtuso e egoísta. Ao contrário, a criação, sua única ferramenta, não esgota a vida em princípios, mas a devolve em forma de aromas, sabores, sensações, possibilidades. Não há julgamento porque a expectativa aqui não se resume a cumprir, o exercício não é o de obedecer, mas o do convite a participação. Não há verdades, há formas inacabadas, imperfeitas, perenes ao movimento.

Dom Quixote não é mais um louco, é um ser de luz que trilha o seu próprio caminho através da vida como potência do falso. E nada precisará ser justificado porque o que é agora poderá não ser mais adiante. É um vidente que vive na plenitude da vida, ao invés de se esquivar por detrás dos moinhos das afirmações.

Dom Quixote é um artista e a sua alma interessa-me mais do que a do homem acostumado com a sua sobrevivência.

Escrito por Francisco Carvalho, 2 de abril de 2009, às 1:00 da manhã.

Nenhum comentário:

Postar um comentário