quarta-feira, 15 de abril de 2009

"VOCÊS, OS VIVOS"



















Um viva para os suecos!

Não há protagonistas, a câmera não segue ninguém, apenas permanece estática advertindo que por ali quem manda não são as figuras desgarradas que desfilam pelo seu ângulo de captura. O mundo exibe-se em recortes secos, sem recheio. Enfim, um filme que apresenta personagens em sua forma humana, longe da patifaria virtuosística e sentimental dos heróis americanos – que, para o bem ou para o mal, povoam nossas mais sinceras expectativas.

“Vocês, os vivos” é uma obra de arte, não somente um filme de bilheteria. Tragicamente divertido, não nos perdoa em um só instante por nossa triste condição de marionetes errantes. Não há salvação, culpa e tampouco redenção, por esse motivo, não há vergonha em deixar-se seduzir pela personagem que entra em cena unicamente para ensaiar apaixonadamente a sua partitura de bumbo.

BUM BUM BUM BUM BUM... BUM BUM

O tempo é preenchido por uma absoluta crueza cotidiana, o que nos abre os olhos para identificar que as nossas mais portentosas paixões são justamente aquelas cabíveis no terreno da frugalidade. Lavar a louça adquire um clímax de arrepiar os sentidos – o que diria Benjamim Button disso – com os seus violinos apontando para a celebração apoteótica com a sua amada proibida -?

A vida é seca e é na secura que reside a sua poesia. E quanta poesia! Também não há resignação nesse cenário árido, aqui ainda existe o espaço para ajoelhar-se e pedir perdão por todo o repertório de cafajestagem a que a humanidade foi capaz (e ainda é) de colocar em prática. Justo é o médico que admite a sua frustração por atender ano após ano o repertório de reclamações mesquinhas de seus pacientes egoístas. Mas pergunte-me se esse mesmo médico – ele próprio um egoísta de plantão – permiti-se a audácia de jogar tudo para cima para sorver os dias restantes de sua vida em uma existência menos burocrática?

BUM BUM BUM BUM BUM... BUM BUM

A banda de jazz, não sei bem como classificar o ritmo, convida o espectador a batucar com o pé o andamento tragicômico das desventuras das personagens perdidas em suas insignificâncias. A garota que lamenta o amor não correspondido dá as mãos ao marido que prefere listar suas pendências financeiras a dar atenção ao orgasmo da mulher. Quando tudo está prestes a desmoronar – porque nesse ponto já é possível admitir finalmente que a vida é uma aventura que não faz sentido algum – a música nos força a rir. E esse é o sentido último, o único que de fato vale o esforço: o de rir.

Tudo isso com a câmera estática, sem reclamar a atenção por alguma justificativa maior. A simplicidade de “Vocês, os vivos” revela uma rigorosa consciência artística que lembra as construções líricas de Fellini.

Não deixe de conferir esse filme, uma verdadeira inspiração principalmente para nós, brasileiros que ainda reivindicamos um cinema que precisa subir ao morro – e apelar para o método de lobotomia que tenta arrancar a expressão de alguma verdade escondida – para promover a identificação com o espectador. O sonho, o onírico, o absurdo em “Vocês os vivos” é mais eficiente no reconhecimento da humanidade do que os tiros de fuzil que cortam os barracos para absolver ou condenar nossos heróis de farda.

Escrito por Francisco Carvalho, às 23:34 – 15 de abril de 2009.

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