sexta-feira, 15 de junho de 2012

O futuro de Fulano de Tal...



A máquina Golifius tinha acabado de chegar à cidade. Todos os habitantes, dos mais humildes aos mais nobres, foram recepcioná-la. A pequena banda de sopros da prefeitura ensaiou meses a fio para não fazer feio no grande evento. As meninas, acompanhadas de seus pais, trajavam vestidos de cetim de cores claras. Por cima das cabecinhas, um laço enorme de rendas. Os ternos dos cavalheiros foram desentocados dos guarda-roupas. Gravatas e cartolas davam a importância da ocasião. Até mesmo as senhoras, normalmente recatadas e entregues as labutas do lar, saíram às ruas para ver a chegada da máquina Golifius. Os meninos resolveram não participar, preferindo dar continuidade à peleja no campinho de terra batida Já a comunidade canina estava representada por dois vira-latas sem nome, que entre uma coçada e outra no lombo sarnento, apontavam os focinhos na direção do espetáculo. À tarde de sol imprimia ao desfile uma luz âmbar, tornando tudo ainda mais fantástico. O vento entrava num compasso de adágio majestoso e fazia esvoaçar tudo o que tocava. A cena tinha um aspecto curioso de filme antigo, desses que a gente volta à fita para rever um cenário que sabemos não existir mais. À frente do grande equipamento estava Radamés-Nhócoli, o grande e respeitado empresário da máquina Golifius. Quando finalmente o cortejo estacionou na praça principal, Radamés-Nhócoli subiu num pequeno palanque e começou o seu discurso. Falava bem, com uma voz clara de quem não mente. Explicava todas as características e funcionamento da sua obra, detalhando cada peça e o seu papel dentro do gigantesco mecanismo ao qual fazia parte. Quando terminou, os espectadores já estavam convencidos da importância magistral da máquina Golifius. Difícil recuar no tempo e imaginar como seria a vida sem essa espetacular obra da engenharia científica. O público ouvia calado, absorto em pensamentos sublimes. Até a coceira dos vira-latas deu um trégua. Era a própria confiança que enchia o peito dos habitantes da pequena cidade. Quem não gostaria de abandonar o árduo ofício na roça para trabalhar no funcionamento da majestosa e espetacular máquina Golifius? Fora a fama que certamente recairia no colo do funcionário contratado – a foto na primeira página do jornal do dia seguinte estava certamente garantida -, havia a questão de experimentar de uma vez por todas a sensação de pertencer ao mundo moderno. Era de conhecimento geral que a máquina Golifius representava o que de mais novo a indústria moderna poderia construir. Só uma rápida olhada nos seus mecanismos expostos já era suficiente parar provar tal teoria. Curiosamente, ninguém pensava ou falava no salário, embora soubessem, por alguma estranha convicção, que o montante compensaria o suor da empreitada. A bem da verdade, não era difícil encontrar quem se dispusesse a fazer tudo de graça, sem ganhar nem um tostão. O mais importante era vestir o uniforme de empregado da máquina Golifius, custe o que custasse. E então, chegou o grande momento! A tensão estava no ar. Dali a instantes, saberíamos quem seria o contratado para o emprego. Havia somente uma vaga para o trabalho, mas isso não minava as esperanças dos presentes, só aumentava a ansiedade. Senhas foram distribuídas à multidão. Um a um, cada um a seu tempo, foi chamado para uma entrevista particular. Uma banca especializada iria dar curso á seleção dentro de uma pequena tenda armada ao lado do coreto. Algumas pombas pousaram no teto da armação e lá de cima soltavam aquele som gutural, típico da espécie. Empresários dos mais variados setores formavam essa junta de técnicos altamente especializados no recrutamento das qualidades necessárias para dar funcionamento a uma máquina do porte da Golifius. Era preciso analisar cada candidato e de forma bastante minuciosa. Número 45! O silêncio era quebrado por um senhor barrigudo e de bigodes que davam a volta no quarteirão, provavelmente um representante do alto escalão das empresas Golifius. O candidato, suando e pálido como uma folha em branco, se dirigia a passos trôpegos até sumir pela entrada do gabinete improvisado. Para os que lá fora permaneciam, esperando sua vez de entrar, a única coisa que conseguiam ouvir quando forçavam a escuta era a sinfonia das aves, que lá de cima se postavam como arautos da crise de Tebas. Ao final do processo, depois de cumprir com todas as entrevistas, o resultado foi divulgado. Fulano de Tal havia conseguido a vaga! Sua família quase desmaiou de emoção ao ouvir o anúncio de seu nome. De fato, no dia seguinte, Fulano de Tal estampava sua foto na primeira página do jornal. O restante dos habitantes voltou a empunhar a enxada, instrumento nada sofisticado, mas altamente eficiente na localidade da roça. Fulano de Tal ganhou seu uniforme e sumiu da cidade, levando sua família. Muito tempo depois, soubemos que Fulano de Tal tinha enriquecido muito. Prosperou como ninguém. Quando perguntavam seu nome, dizia com orgulho: ‘Sou Fulano de Tal, empregado da máquina Golifius’.

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