Saí de casa com a calça frouxa.
Talvez o cinto não tenha cumprido o seu papel, ou então eu emagreci pegando
carona com o Fenômeno, que acaba de entrar pro Medida Certa. Só sei que no meio
de uma elucubração das mais filosóficas, no auge do ‘ser ou não ser eis a
questão’, fui obrigado a puxar o jeans para evitar um diálogo público e
imprevisto com as minhas vergonhas. Não que as minhas vergonhas sejam
vergonhosas, muito pelo contrário, as minhas vergonhas são tratadas a pão-de- ló,
cuido delas com todo esmero para ter alguma coisa com que me orgulhar nessa
vida, ainda que a gravidade torne grave o prognóstico de um futuro que há de
vir mais cedo ou mais tarde. A questão é que quando minha cueca estava prestes
a protagonizar seu discurso à la ‘Bonitinho mas Ordinário’ em plena padaria,
local onde me encontrava em trânsito matinal rumo à labuta dos justos, eu sofri
uma iluminação! Eureca! Eis o que descobri: o homem evoluído veste calças
frouxas! O homem evoluído frequenta constantemente o intervalo entre a descoberta
do Bóson de Higgs e a inescrupulosa tarefa de erguer suas calçolas para evitar
publicar suas vergonhas nos anais – ou bundais – das revistas científicas. Não
confie nunca num sujeito de terno e gravata! O sujeito de terno e gravata anda
impecavelmente ajustado ao seu cinto de couro, nunca passando pela sua cabeça
que existem vergonhas profundas escondidas por detrás de tanto charme executivo.
O terno e a gravata é a armadura dos ímpios, a carapaça dos mentirosos, o
casulo dos blasfemadores. Quem usa terno e gravata é um desavergonhado,
herdeiro dos iluministas pedantes, todos acadêmicos bobinhos que inventaram os
suspensórios justamente para desfilar suas enciclopédias de termos inúteis por
aí. Não é a toa que a Idade Média foi o período mais frutífero da história do
homem, tempos em que os loucos, dementes e poetas amarravam suas ceroulas com
cordinhas vacilantes. Até quando o assunto é religião o elástico frouxo
escorrega com força. Imagine Cristo indo para a cruz de terno e gravata?
Certeza que não subiria aos céus, nem no terceiro dia, quanto menos depois da
posse do Apóstolo Russomanno! Arrisco a dizer que Sócrates proferiu o seu ‘só
sei que nada sei’ na urgência de apanhar sua túnica grega que insistia em lhe
abandonar os seus gambitos filosofais! A filosofia morreu na era da razão, com
todos os seus filósofos protegidos pela ladainha de uma retórica pudica que
escondia a roupa de baixo dos bigodudos. Marx foi um chato pateta, um
desavergonhado que proibiu a especulação capitalista das calças largas. Deu no
que deu: uma revolução abstrata. Tivesse afrouxado a bermuda, teria sido um
gênio. É isso! Os escolhidos, os gênios, os profetas, os inteligentes, todos
eles abrigam em seus armários um conjunto espetacular de calças largas,
ansiosas para lembrar que no fundo, ou melhor, na cintura da vida, nada de
importante pode concorrer e superar a consciência de nossas vergonhas. Saí da
padaria e passei o dia inteiro entre a cueca e a consciência. Quando embarcava
numa nova teoria revolucionária, fruto da minha invejável malhação intelectual,
lá me caiam as calças para alertar-me de que os fundos da casa podem sempre
colocar tudo a perder. É isso! Sou um privilegiado! Descobri o caminho, ou o
tamanho errado, da sabedoria. Vou aposentar todos os meus cintos. Vou afrouxar o
que resta do meu guarda-roupa! Virei um homem evoluído!
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