quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Josias-qui-Sabias, um palhaço triste!



Josias-qui-Sabias – sim, é esse mesmo o nome do nosso herói -, era um sujeito ridículo, patético, praticamente um fanfarrão que torcia seu nariz de palhaço para tudo o que viesse estampado com o selo da seriedade da vida. Aliás, a própria palavra ‘seriedade’ já soava aos ouvidos de Josias-qui-Sabias como uma das mais risíveis anedotas que os seus semelhantes de raça já se esforçaram por inventar. Um dia, ligou a televisão e assistiu ao vivo a transmissão de um julgamento que prometia revolucionar a justiça moral do país em que morava. A coisa era séria. O alto escalão do governo estava envolvido num escândalo de corrupção. A nação andava enfurecida e exigia medidas enérgicas para condenar os réus. A vestimenta dos juízes, as provas nos autos, o linguajar utilizado por cada um dos magistrados, Data Vênia pra cá, Vossa Amabilíssima Excelência pra lá, enfim, o cerimonial todo exalava um perfume de seriedade risível só possível de ser aspergido numa mesa cujos nobres ocupantes, mesmo famintos, optassem por beliscar educadamente cada um a sua suculenta azeitona verde, todos fingindo uma saciedade que nunca vinha servida em prato algum. Aquilo podia ser tudo, menos algo sério. E Josias-qui-Sabias começou a notar que a vida, desde a sua dimensão mais comezinha até os patamares reservados as grandes digressões filosóficas, não passava de um enredo melodramático e ridículo, e o quanto mais se esforçava para virar uma história séria, mais contornos bufonescos passava a agregar. Naquela manhã, Josias-qui-Sabias levantou-se cedo, saltou da cama para o banheiro e, antes de dar a largada no seu cerimonial rotineiro, pousou o olhar por alguns segundos naquela pasta de dentes sabor menta-fresh. Escovar os dentes, pensava Josias-qui-Sabias, era um negócio extremamente patético, a começar por aquele instrumento desengonçado com cerdas nas pontas que ao ser enfiado na boca começava a produzir movimentos esquisitos para logo em seguida fabricar uma baba branca involuntária que escorria pelo queixo de quem se propusesse a tamanha empreitada de faxina dental. Por que raios é necessário respeitar a esse procedimento? Não haveria uma nova alternativa para se evitar as cáries ao invés daquilo? Olhou para o espelho e viu a sua cabeleira despenteada. Pentear o cabelo, continuava o nosso herói, era um troço também fora de propósito, afinal, ao término do dia o topete estaria tão desengonçado quanto naquele exato instante em que os fios de cabelo mais pareciam réplicas do cocuruto da Medusa. Não, não, o mundo estava fora dos eixos, ou será que sempre esteve? Que raios de aventura sem sentido é essa? Ligou o rádio enquanto preparava o café da manhã e foi só ouvir a locutora emplacar um ‘bom dia você que está aí’ para Josias-qui-Sabias explodir de raiva! A saudação ‘bom dia’ não fazia sentido algum porque dali a algumas horas deveria ser substituída por um ‘boa tarde’ que só duraria ao ponto em que o ‘boa noite’ começasse a vigorar. Debruçou-se no parapeito da janela para tomar um ar fresco. Nada fazia sentido naquela manhã esquisita. Os carros que deveriam brecar ou acelerar dependendo da cor do semáforo, as batidas do sino da igreja, as cerimônias de casamento, os batizados, as formaturas com legiões de gente vestida de preto segurando canudos nas mãos, o movimento das esteiras nas academias de ginástica... tudo, absolutamente tudo era de um ridículo incomensurável. A própria existência parecia a Josias-qui-Sabias um negócio de difícil explicação e, portanto, ridículo ao extremo – qual de nós, desgraçados, escolheria viver nessa época de formigueiro humano em que para cumprir um simples ato como andar na rua é preciso pedir mil escusas? – matutava nosso herói. Não, não... a vida na sua dimensão verdadeira só conhece quem desvenda o quão ridícula são as suas demandas diárias, é preciso desmascarar a pretensa seriedade das coisas para que seja possível encarar de frente a farsa de tudo isso. Quem se abstém a enxergar esse enorme teatro de revista vive na mentira, distante da verdade. Que espécie de talento é esse que encontramos para aliviar a canastrice da qual somos constituídos ao encobri-la com o tão glorificado véu da seriedade? Josias-qui-Sabias percebeu que a vontade de ‘ser sério’ era coisa somente dos seres humanos, animal nenhum se preocupava com isso, um cachorro é sempre um cachorro, nunca um cachorro sério. Foi então que Josias-qui-Sabias resolveu tomar uma atitude drástica: iria morrer a cada dia para nascer mais ridículo no seguinte. A cada manhã seria um novo Josias-qui-Sabias, cada vez mais livre das máscaras mentirosas que lhes eram impostas. Seria o mais genuíno possível às suas impressões sobre o ridículo da vida. Saiu à rua e imediatamente foi alvo de risadas. Voltou correndo para dentro de casa e trancou a porta. Passou o restante do dia pensando em como convencer os outros de que o motivo de graça estava na comédia da vida, não num simples palhaço como ele. 

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