domingo, 18 de novembro de 2012

Subir ao palco é tropeçar...


Eis que um dia levanto da cama e já na mesa do café da manhã resolvo abrir o jornal... o que vejo? Uma foto minha todo sorridente, como se eu tivesse acabado de ser coroado o mais novo príncipe de Mônaco... se é que esse cargo ainda existe. Não é curioso isso? Eu que na noite anterior havia errado tudo quanto podia errar em cima do palco – e isso não é mentira, não! Entrei tremendo em cena sabe-se lá por qual razão e foi só pisar no palco pra eu levar um tombo desses de deixar qualquer tragédia grega parecendo uma comédia de costumes. E assim foi até o final: uma sucessão de solavancos e tropeços, brancos e gaguejadas, tempos atravessados e pausas longas demais... tudo isso até a cortina descer... ah e quando a cortina finalmente desceu, que alívio eu senti... eu que durante toda aquela noite desejei fervorosamente que um buraco se abrisse no meio do palco para que eu sumisse como num passe de mágica, agora estava protegido dos olhares ferozes do público... ufa! Sabe que existe uma teoria que diz que uma boa parte dos espectadores só vai ao teatro pra ver se o ator escorrega em cena? É verdade... uma coisa pra lá de sádica... quando tudo vai bem eles nem se importam tanto e voltam pra casa como se nada de importante tivesse acontecido. Algo semelhante acontece com o equilibrista do circo... tem bastante gente que só compra o ingresso esperando o momento do pobre diabo se distrair lá em cima pra assistir comendo pipoca a cena dele mergulhando de barriga na rede de segurança... aí é aplauso pra dar com o pau! Mas a graça para nós atores é exatamente essa: o risco. E no teatro não tem nenhuma rede de segurança não: caiu, esborrachou o nariz no chão. Aquela foto no jornal dizia que eu era um sucesso, mesmo tendo fracassado. Aliás, deixa eu ser mais claro: teatro não tem nada a ver com sucesso, purpurinas ou fotos no jornal. O teatro é o evento monumental do fracasso, a prova irrefutável de que nada dura, o laboratório construído artificialmente pelo desejo de, ao menos dentro de suas fronteiras, sentirmo-nos criadores de algo. Mas até mesmo essa justa pretensão vai por água abaixo, porque a fábula é e sempre será mais poderosa do que a matéria orgânica da qual nós, atores, fazemos parte. Subir ao palco é compreender que todo personagem é infinitamente superior ao nosso desejo de possuí-lo, bastando emprestar algumas de suas palavras a nossa boca para ter a certeza de que essa é uma batalha já vencida, e o vencedor será sempre a ficção, nunca nós, pobres criaturas atadas ao real, pobres seres que tropeçam! Personagens nunca tropeçam, podem reparar, personagens são imunes ao tropeço... alguém já viu Hamlet tropeçar com a caveira na mão? Mas eu não reclamo disso não, essa é a nossa vida, uma vida bastante simples que carrega no seu ofício um teor considerável de perigo controlado. Não há glamour nenhum em subir ao palco, diria, aliás, que corre nas veias dos malucos que se permitem a tal empreitada uma quantidade considerável de fluído suicida. Subir para cair... a maravilha é que a queda não foge do virtual, o que nos vacina contra os desmoronamentos certeiros da vida. Subir ao palco e esborrachar o nariz na lona, está aí algo para qual vale a pena gastar tempo. Mas atenção: nunca deixem de desconfiar das fotos sorridentes nos jornais! Não passam de propaganda mentirosa do que acontece aqui em cima... ah se soubessem como nós tropeçamos...

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