terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O CAMINHO DAS PEGADAS AUSENTES...



A poucos metros da casa onde eu nasci, bem no meio de um espaço espremido pelas casas que não existiam na época em que eu próprio me dei conta de que existia, resiste uma pequena alameda esquecida pelo tempo. Digo errado, não é bem uma alameda, dessas abençoadas por árvores portentosas que se vê em filmes ou em retratos de viagens, mas um simples caminhozinho ladeado por um jardim também curto e interrompido no seu limite pelos muros das propriedades fronteiriças. Quarenta, cinquenta metros no máximo, constituem a espinha dorsal dessa faixa que numa das pontas encontra-se com a rua, e, na outra, dá de cara com um portão de ferro enferrujado, lambido precariamente por uma tinta que um dia já foi da cor verde, e hoje chora o descaso em forma de lascas afiadas e escurecidas pela ação do sol e da chuva. Qualquer um poderia inferir que o tal caminhozinho já não servia mais ao seu propósito original de oferecer-se ao caminhar, batizando como maluco o sujeito que escolhesse se aventurar por uma superfície coberta de musgos, raízes e toda sorte de matéria orgânica feita especialmente para interromper o ritmo cadenciado das pegadas de alguém. Enfim, não muito distante daqui de onde escrevo, jaz silencioso esse pedaço de terra há muito tempo abandonado sabe-se lá por qual razão. E sobre isso não há o que duvidar, uma vez que é o próprio transcorrer vagaroso do tempo que vemos materializado em cada ramo contorcido de uma vegetação que só conseguiu chegar até onde está graças à recusa das mãos humanas. Na bem da verdade, um transeunte anônimo que por ventura estivesse caminhando pela rua, muito provavelmente não renderia homenagens a esse nicho desorganizado e todo emaranhado por um verde inimigo dos jardineiros e cuidadores de paisagens. Mas outro transeunte, dessa vez um transeunte atento e curioso, poderia muito bem perceber a beleza que brotou desse oásis estrangulado bem no meio da civilização. Foi o que sucedeu a mim. Numa de minhas corridas matinais, antes de apertar o passo e virar à esquerda em direção ao parque municipal cuja calçada serve de tapete aos interessados em queimar calorias, decidi parar e adentrar aquele território proibido. Sem o auxílio de qualquer trilha sonora diferente do arfar da minha respiração, destituído de câmeras especiais que pudessem projetar meu olhar fora do alcance que a natureza já lhe deu a cumprir, longe da magia fantasiosa dos efeitos especiais, senti-me dentro de um filme. Ali, à distância de poucos passos de onde eu acabara de estar, as fronteiras de um novo mundo se faziam erguer – a densidade do ar que não respeitava à ânsia inalante dos nossos vigorosos pulmões, a vibração de um diapasão enclausurado em um perímetro que não conhecia a tagarelice de nossas gargantas, o cheiro virgem que rememorava às eras primitivas que mal podiam prever a quantidade de aromas artificiais que seriam povoados por nossas indústrias de sabores, a vagarosidade de uma superfície não orientada pelo tic-tac alucinado das horas que caminham adiante sem nunca estacionar ou voltar atrás... tudo isso virava um enredo deslumbrante de sensações concretas, nada imaginárias, ao alcance de um sujeito que resolvera por algum motivo abandonar a maquete urbana da qual era filho legítimo. E foram somente alguns passos, poucos e decisivos passos para uma mudança radical e brutal. Fui embora depois de breves segundos, trotando para cumprir a meta saudável de colocar o corpo em movimento, mais uma das muitas metas auto-impostas por uma consciência viciada nas demandas sociais. Mas, conforme a experiência dos prazeres transformadores da vida, a brevidade do que é efêmero é mais do que suficiente para deixar marcas indeléveis em qualquer camada sensível da pele – e é justamente pela superfície da pele que é possível resistir às paisagens organizadas para, vez ou outra, permitir-se pisar em solo instável, todo ele virgem em mistérios...        

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