Quero pensar o inverso, mas não consigo. O fato é: somos, cada um de nós, um gigantesco repositório de grunhidos, cada qual dono de um depósito íntimo de barulhos e ruídos inconfessos, coisas barulhentas e denunciadoras de que fervilhamos em pequenos volumes e em alturas variadas, sons ajustados a timbres diversos, regentes de uma banda de naipes de pequenas causas que, se não estão à disposição de quem os queira ouvir, guardados ficam a sete chaves, ou mesmo à espera do momento exato em que se possam eclodir numa sinfonia atonal de roncos, escarros, flatos e toda sorte de recos-recos variados. Digo isso porque acabo de presenciar o que diagnostico nesse breve testemunho. Quem quiser comprovar tal teoria, por mim batizada de Homo-Strondosus-Exuberantis, sugiro que vá correndo até a mais próxima sala de concertos sinfônicos e espere calmamente pelo intervalo entre os movimentos da peça musical. É nesse instante de pausa da melodia dos instrumentos, pequeno respiro para o maestro e os artistas, que o vulcão de assobios, tosses e ranhes-ranhes, tem espaço na avalanche da plateia. Arrisco a dizer que os nobres cavalheiros e damas que saem de suas casas para acompanhar um concerto sinfônico só o fazem para esperar esse momento de solar as suas guturais intimidades nesse breve espaço de tempo em que são os músicos que viram ouvintes... Que diabos de condição é essa a nossa! Somos incapazes de permanecer quietos, repetir o exemplo de um bendito de um gato que esquenta os bigodes numa magnífica posição de esfinge debaixo de um raio de sol, mudo como o mármore. Ainda que silenciosos, estamos trabalhando, revolvendo as tripas, coçando as orelhas, trabalhando com as orbitas oculares, enfim, aguardando a brecha necessária para dizer ao mundo: ‘Ei, eu estou vivo!’... e, para tanto, é preciso fazer barulho, promover qualquer coisa que possa ser escutada pelo vizinho... Acabo por aqui a minha pequena arte barulhenta de martelar os teclados. Bom dia aos meus companheiros de infortúnio!
...
...
Nenhum comentário:
Postar um comentário