Ele parou em cima da ponte, olhando o tráfego que lá embaixo
corria ligeiro. De repente resolveu estacionar a sua vida, que há muito já
estacionara numa rotina tediosa de acordar e voltar a dormir, e novamente
acordar e voltar a dormir, nada fazendo senão isso: acordar e dormir, sempre
com a justa consciência de que nada demais aconteceria se ele parasse com esse
movimento pendular e inútil: acordar e voltar a dormir. Não acordaria mais,
decidiu, não acordaria mais e também não dormiria mais... já que era
indiferente para a vida que ele continuasse vivo, seria ele agora a assisti-la
passar, ao invés de persistir nessa função de náufrago arrebatado pela
correnteza dos dias, afundando sob as ondas das horas, minutos e segundos.
Parou em cima da ponte e só isso fazia: olhava para o tráfego que lá embaixo
nunca deixava de correr ligeiro. A quem o perguntasse o que lá fazia, respondia
simplesmente que sua hora havia chegado, que a vida não lhe tinha mais sentido
algum. Por algum tempo uma multidão se adensou debaixo do viaduto somente à
espera de um salto seu para a morte, coisa que não ocorreu. Até emissoras de
televisão e agentes sociais o interpelaram para que desistisse dessa empreitada
maluca de acabar com aquilo que Deus havia lhe presenteado, o que ele devolvia
dizendo que presente como aquele ele recusava sem cerimônias ou regateios mentirosos,
preferindo afirmar sem medo: a vida é um tremendo equívoco, basta olhar lá para
baixo para entender que ninguém dela faz questão, indo e voltando de lugar
algum para lugar nenhum unicamente para satisfazer as idiossincrasias do
hábito. O tempo passou e desistiram dele, do suicida que nunca se suicidava –
apelido que lhe deram -, e ele insistia em lá ficar, só assistindo a vida
passar depois de ele ter tanto passado por ela, incólume. Quem passasse de
carro ou a pé perto da ponte podia avistar ele, como uma estátua, olhando para
o mesmo ponto, só desviando sua atenção quando o tiravam da sua concentração
filosófica, mas que prontamente retomava depois do inquérito forçado. Num
determinado dia, desapareceu. Sumiu. Pensaram que ele tinha se jogado, mas corpo
nenhum foi encontrado. Pesquisaram para saber para onde teria ido, mas não
houve quem desse uma resposta que sugerisse alguma pista. Ele havia sumido do
mapa simplesmente. Ou a vida o tinha finalmente levado, ou ele levou-se dali
escondido para nunca mais ser encontrado. Nem quando seu retrato foi colocado
no jornal a título de recompensa por alguma informação de seu paradeiro o
mistério pôde ser solucionado. A cidade voltou a sua rotina, e a vida continuou
com o seu vai e vem.
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