domingo, 30 de junho de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES # O fim do suicida que nunca se suicidava...

Ele parou em cima da ponte, olhando o tráfego que lá embaixo corria ligeiro. De repente resolveu estacionar a sua vida, que há muito já estacionara numa rotina tediosa de acordar e voltar a dormir, e novamente acordar e voltar a dormir, nada fazendo senão isso: acordar e dormir, sempre com a justa consciência de que nada demais aconteceria se ele parasse com esse movimento pendular e inútil: acordar e voltar a dormir. Não acordaria mais, decidiu, não acordaria mais e também não dormiria mais... já que era indiferente para a vida que ele continuasse vivo, seria ele agora a assisti-la passar, ao invés de persistir nessa função de náufrago arrebatado pela correnteza dos dias, afundando sob as ondas das horas, minutos e segundos. Parou em cima da ponte e só isso fazia: olhava para o tráfego que lá embaixo nunca deixava de correr ligeiro. A quem o perguntasse o que lá fazia, respondia simplesmente que sua hora havia chegado, que a vida não lhe tinha mais sentido algum. Por algum tempo uma multidão se adensou debaixo do viaduto somente à espera de um salto seu para a morte, coisa que não ocorreu. Até emissoras de televisão e agentes sociais o interpelaram para que desistisse dessa empreitada maluca de acabar com aquilo que Deus havia lhe presenteado, o que ele devolvia dizendo que presente como aquele ele recusava sem cerimônias ou regateios mentirosos, preferindo afirmar sem medo: a vida é um tremendo equívoco, basta olhar lá para baixo para entender que ninguém dela faz questão, indo e voltando de lugar algum para lugar nenhum unicamente para satisfazer as idiossincrasias do hábito. O tempo passou e desistiram dele, do suicida que nunca se suicidava – apelido que lhe deram -, e ele insistia em lá ficar, só assistindo a vida passar depois de ele ter tanto passado por ela, incólume. Quem passasse de carro ou a pé perto da ponte podia avistar ele, como uma estátua, olhando para o mesmo ponto, só desviando sua atenção quando o tiravam da sua concentração filosófica, mas que prontamente retomava depois do inquérito forçado. Num determinado dia, desapareceu. Sumiu. Pensaram que ele tinha se jogado, mas corpo nenhum foi encontrado. Pesquisaram para saber para onde teria ido, mas não houve quem desse uma resposta que sugerisse alguma pista. Ele havia sumido do mapa simplesmente. Ou a vida o tinha finalmente levado, ou ele levou-se dali escondido para nunca mais ser encontrado. Nem quando seu retrato foi colocado no jornal a título de recompensa por alguma informação de seu paradeiro o mistério pôde ser solucionado. A cidade voltou a sua rotina, e a vida continuou com o seu vai e vem.

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