O ator que acreditava ser verdade o que fazia teve uma vida
longa e trágica, ou cômica, vai saber. Isso porque o ator não fingia, só
vivendo, ou crendo viver na plena verdade das suas forças emotivas, as
personagens que interpretava. Quando o
repertório de suas atuações não fugia do universo infanto-juvenil ainda
conseguia ter uma rotina saudável, embora não fossem raras as ocasiões em que
ele, o ator que não fingia o que não era, sendo o que mentia ser, ou melhor,
tomando a mentira por verdade, acabava flagrado uivando no meio da rua depois
de ‘bufar e bufar até derrubar toda a sua casinha de sapé’, ameaça direcionada
ao porquinho Alfredo lá do conto de fadas... O problema mesmo veio com os
roteiros sérios e densos, em especial as tragédias – e foi logo na primeira que
acabou por furar os olhos de fato, o que o transformou dali por diante num ator
cego a interpretar papéis cegos. Depois de anos de profissão, e porque não
dizer de sofrimento absoluto, resolveu se aposentar. Já velho e no último ato
da sua conturbada vida, perguntado por um jornalista qual o personagem que mais
gostara de interpretar, ele, o ator que não fingia o que não era, sendo o que
mentia ser, ou, melhor dizendo, tomando a mentira por verdade, tomou um susto e
disse: ‘nunca houve outro personagem senão eu...’ E a luz se apagou, colocando
fim ao espetáculo. Uma enxurrada de aplausos veio na sequência, louvando aquela
soberba performance, mas, não importando o quanto o público insistisse, ele, o
ator que não fingia o que não era, sendo o que mentia ser, ou, melhor
dizendo, tomando a mentira por verdade,
não levantava por nada do palco onde jazia inerte. Estava morto de fato. O
teatro decretou uma semana de luto em sua homenagem, mas, depois disso, as
portas reabriram e os espetáculos tiveram continuidade...
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