quarta-feira, 10 de julho de 2013

OBITUÁRIOS EXEMPLARES # O fim do casarão antigo que agonizava, ou, antes, o fim de quem por ele chorava em agonia...


Um casarão antigo jazia abandonado na esquina da Alameda Santos com outra rua cujo nome já não importa, importando somente saber que o tal casarão antigo morria,  e ia morrendo exatamente como um pedaço de corpo gangrenando no meio de tanto progresso e cores vivas dos edifícios vizinhos. O Executivo-das-Pernas-Ágeis, um que sempre passava por aquela esquina há anos corridos, um dia ouviu claramente um pedido de socorro, e era o tal casarão antigo quem falava, pedindo ajuda, sofrendo por morrer de forma tão cruel, e justo ele que testemunhara o crescimento da metrópole que agora o descartava sem qualquer sentimento de piedade ou de justiça. O Executivo-das-Pernas-Ágeis argumentou que estava com pressa e, driblando-se das lágrimas daquele que outrora deveria ter sido um monumento imponente das gerações já idas, seguiu o ritmo ágil das suas passadas. Uma vez longe do alcance das vistas do casarão antigo, o Executivo-das-Pernas-Ágeis desejou secretamente que ele, o casarão antigo, tivesse, como ele, pernas para poder fugir, e fugindo como ele sempre fugia com suas ágeis pernas de executivo dos negócios urgentes, conseguisse escapar das garras do vilão que por ventura viesse a lhe incomodar. Mas não houve tempo de completar tal conjectura fantasiosa – afinal, casarões antigos, até onde se sabe, não tem pernas, muito menos pernas ágeis -, porque um carro que ousou desrespeitar o sinal vermelho trombou em cheio com o Executivo-de-Pernas-Ágeis, levando-o rapidamente para onde ninguém até hoje ousou voltar para dizer se é um bom lugar ou não. Morreu. E muitos outros morreram, os de pernas ágeis, enquanto ele, o casarão antigo, continua ainda hoje a agonizar, pedindo socorro para quem quer que seja, desde que tenha pernas para poder fugir.

...



...   

Nenhum comentário:

Postar um comentário