quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Escreveria...

Escreveria só para dizer um dia: escrevi. 
E quem der a me ler, dirá: o li, quem? Já esqueci. 
Farei assim: escreverei para deixar de ser, consciente de que são as palavras, e não eu, o que irá prevalecer... 
Ainda bem que assim acontece, nossa voz junto com o resto, morre, ficando só a reza, numa prece. 
Se o contrário fosse, a literatura um cemitério seria, e nós, autores, um duro contingente 
De igrejas vazias...

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São tantos os universos particulares,
Tantas as batidas só minhas,
Um repertório inteiro de soluções íntimas -
Um deixe-me passar que o palco me espera...
E quando a cortina finalmente abre e a luz sobe, onde estão todos?
Ninguém aparece.
E o que poderia ser o final do espetáculo é apenas o seu começo, porque há aqueles que anseiam por nada acontecer, ocupando as fileiras da plateia para justamente isso: deixarem-se levar pelo nada.
Parece que é isso: uma corrida desesperada e solitária para a sombra, para o não comprometimento comprometido,
Espetáculos diários de um elenco mudo, sem rosto, satisfeito por não existir e aplaudido por multidões igualmente amorfas.
E não é esse precisamente o nosso mundo?
Um apanhado de solistas orgulhosos e sem talento,
Desencontrados em sabe-se lá qual sinfonia barulhenta?

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sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Pobre de nós...

Pobre de nós que imaginamos possíveis governos quando todos os governos possíveis já foram vividos e governados...
Pobre de nós que supomos estrear nosso destino quando o destino de tantos outros já se foram por vias nada originais quanto as que imaginamos trilhar para nós...
Pobre de nós que subimos ao palco do mundo no desejo de transformá-lo, quando o enxergar de frente, sem a proteção da fantasia, já seria um passo importante para saber como aturá-lo...
Pobre de nós que deitamos as nossas cabeças na cama na expectativa do sol caminhar diferente, quando ele nasce e morre desde sempre, sumindo lá pelas bandas do mesmo poente...
Pobre de nós que existimos para querer melhorar, quando o correto são os bichos que existem e pronto, na beleza nada abstrata de um ser para estar ...
Pobres de nós... tão absurdos e tão patéticos.

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PASTAIS!

Ou a gramática existe para ser desgramaticada
Ou vira pasto de grama
Onde pastam os bucéfalos
Mastodontes da regra aplicada...

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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Fraude...

Tem dias em que eu acho que sou uma fraude
Tem outros dias em que eu atesto:
Sou uma fraude!
Há dias em que eu não só sou uma indefectível fraude como preciso sair de casa para lavrar em cartório a monumental fraude que sou!
Tem dias em que paro para pensar se ser uma fraude é uma passageira condição 
Como as nuvens 
Que ora vem, 
Ora vão 
Ou atributo intrínseco, incrustado na pedra bruta da existência...
Há dias em que só o fato de se falar sobre a fraude já torna quem dela fala um fraudulento pretensioso
Que por justificativas em pranto busca
Senão para tudo
Para as angústias do viver
Coisa que se fácil não é de entender
Difícil tampouco aparenta
Uma vez que basta respirar
E continuar respirando
Até não mais
E aí sim, 

Enfim
Fracassar...

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domingo, 4 de agosto de 2013

Pouco me interesso...

O mundo pouco me interessa
O mundo é mundo desde que o mundo houve por mundo querer ser
E assim existiu antes,
Antes de mim e dos outros, que a esse mundo tiveram por contrato a obrigação de comparecer.
Com o perdão da blasfêmia, mas...
Que culpa tenho eu de viver?
O que me interessa é o mundo que não se pode ver
Esse sim, o de mentira, aquele que eu faço por vias sinuosas
Acontecer.

O mundo direto não me encanta, é coisa pouca em abundância
Um mundo tão com cara de mundo que bastaria passar por ele mudo para dizer:
Eu vivi.
Desperdício isso, ou exercício de ignorância.
E desse pouco que é o mundo há quem faça tanta questão!
Eu não faço não! Poupar miséria é economia para os tolos
Que a esse mundo vem para enriquecer de migalhas...

Antes o mundo nascesse uma orquestra!
Tocando uma sinfonia nova a cada dia
Mas não
Tudo o que o mundo é chama-se previsível
Ladainha triste de mesma melodia.

O mundo pouco me interessa
Esse que está aí, o que existe
O mundo que vale a pena guardo eu cá dentro, comigo
Talvez um dia eu o invente
Até lá nada digo
Só vivo
Ausente...

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Palavra e música...

Se o verso curasse não seria verso
Seria o inverso disso que a palavra pede
Se a palavra salvasse não seria pelo verbo
Seria tampouco gramática, adjetivo ou advérbio
Se houvesse um jeito de celebrar a vida
Jeito esse seria calado, ou de ouvidos atentos
Porque só a música, prescindindo de entendimentos
Haveria por isso dizer
Ou ir dizendo:
(..................)

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Por que?

Por que eu não nasci músico, meu Deus?
Cura-se uma abstração por outra:
A palavra, que a todos engana
Pela melodia, que só existe
Porque encanta.
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