Não se constrói um cavalete assim, com essa cara de quem
acabou de se levantar da cama. Porque a cara de quem se levantou da cama é
sempre uma cara de quem se levantou da cama, denunciadora da tragédia que é ter
se levantado da cama mais uma vez, e, não obstante a isso, erguendo-se da cama justamente
com ela, a mesma cara que ontem foi se deitar, e para os mesmos serviços a que
está rotineiramente acostumada – ainda se pudéssemos decidir com que cara
acordar, tudo seria infinitamente mais fácil. Ademais, encerramos essa questão
da dificuldade de se ter uma cara que acabou de sair da cama e, portanto,
incapaz de prestar para o exercício da fabricação de um cavalete, dizendo que
esse tipo específico de qualidade de cara não nos serve para tão caro intento,
que é o de reunir expedientes, tanto intelectuais quanto manuais, para dar
conta dessa tarefa de construir um cavalete. O cavalete exige mais, é matéria
de concentração árdua para fins de extrema utilidade pública, uma vez que o
cavalete é peça fundamental, por exemplo, para se levar não sei quantos
milhares de pessoas a determinado lugar escolhido por aquele que, não
necessariamente o construtor de cavaletes, mas aquele que resolveu por ali
largar esse totem de madeira talhado na proporção exata para manter-se em pé
por séculos e mais séculos até que alguém, não necessariamente o construtor de
cavaletes, mas alguém que por alguma razão sabe-se lá qual retire do lugar para
alocá-lo em outro, e numa fila de iguais – porque um cavalete sempre anda em
parceria com outros cavaletes – redirecionar essa massa de humanos que mui
sabiamente um dia viu a necessidade de ser guiada feito rebanho de boi para
onde quer que seja preciso ir, seja para lugares aprazíveis ou não tão aprazíveis
assim, bastando como estímulo para levantar a cara diariamente da cama que
esteja em constante movimento, movimento que participa da extrema necessidade de
não ter razão ou motivo algum para ser, conquanto vá para onde tiver que ir, e
nisso o cavalete nos auxilia. Veja, então, o porquê de darmos a devida atenção
e valor a esse profissional que mui sabiamente coloca-se a favor dessa que talvez
seja, ao menos pelos nossos cálculos não há dúvidas de que de fato seja, a mais
crua e substancial necessidade humana de saber-se massa de manobra, e,
portanto, humildemente ávida por cavaletes a serem erguidos como baias de
retenção aos perigosos desvios ou arrogâncias daqueles poucos que, mui
arbitrariamente e sem qualquer justificativa plausível, dizem: vou para onde
quero e com as pernas que me deram...
...
...
Nenhum comentário:
Postar um comentário