sexta-feira, 7 de março de 2014

Pontos Turísticos de Visita Obrigatória - #A Varanda dos Suicidas...


Na cidade todos conheciam onde ficava a varanda dos suicidas. Era na sobreloja dos correios, logo depois de atravessar um longo corredor, local onde um velho alfaiate surdo ainda tinha um negócio que teimava em levar adiante; pois era lá onde ficava a varanda dos suicidas. Quem quisesse chegar até lá, bastava subir as escadas que ficavam ao lado da loja dos correios e bater na porta do velho alfaiate surdo. Como o desejo de chegar até a varanda dos suicidas era habitualmente a única razão de alguém querer bater à porta do velho alfaiate surdo, ele podia reservar o conhecimento da sua deficiência só para si, uma vez que ao atender quem quer que fosse que o importunasse – e ele reconhecia seus visitantes pelo andar vacilante que testemunhava através da janela de onde trabalhava, coisa que o fazia largar a tesoura e os moldes para se encaminhar automaticamente até a porta de entrada -, o alfaiate, então, sem escutar batida nenhuma, e até mesmo antecipando qualquer batida, não esperava o visitante dizer nada, simplesmente abria a porta e indicava com um gesto sem ânimo o caminho por onde chegar até o destino desejado. No início de tudo, quando a varanda era só e apenas uma varada como qualquer outra varanda, foi um primeiro maluco que encomendara um colete ao alfaiate, naquela época ainda não tão surdo, só parcialmente surdo, que ao vestir o tal colete decidiu tomar um ar fresco na varanda e terminou por se atirar lá de cima. A ele seguiram outros, e cada vez em frequência maior até chegar ao ponto de se dispensar completamente os serviços do alfaiate, nessa época já bastante ou completamente surdo, indo cada um diretamente servir-se da varanda que de tanto ser utilizada para suicídios virou a hoje conhecida e bastante concorrida varanda dos suicidas. Era de fato o que se poderia chamar de um ponto turístico. Seja para quem desejasse se matar, ou para quem quisesse assistir quem quisesse se matar, a varanda dos suicidas podia gabar-se de reunir sempre um contingente considerável de curiosos ao seu redor. Houve, porém, um fato que mudou a rotina quase que diária dos suicídios. Na ocasião de mais um deles, quando Godofredo pediu permissão para usufruir dos serviços da varanda, antes de se atirar para o chão da praça, recebeu uma bala direto no peito, vindo a morrer não da queda inevitável, mas da própria bala que o fez perder a vida antes de despencar para o chão lá em baixo. Soube-se, mais tarde, que a bala veio de outra varanda, uma do outro lado da praça, local que ficou conhecido como a varanda dos assassinos franco atiradores, inaugurando assim uma nova prática: quem desejasse matar os aspirantes à suicidas da varanda dos suicidas posicionava-se com um rifle na varanda dos assassinos franco atiradores, somente a espera do candidato perfeito, coisa que todos os que se serviam da varanda dos suicidas o eram. O público na praça cresceu, todos sempre vidrados no espetáculo de balas riscando o ar e de corpos despencando para o chão da praça. Houve, porém, outro fato decisivo para que as coisas se modificassem ainda mais. Na ocasião de mais um evento sangrento como tantos outros, antes da Dona Lucrécia puxar o gatilho para alvejar o jovem Alcebíades, uma granada foi jogada em plena praça, matando um não sei quanto número de curiosos. A ação fora perpetrada por um padeiro que subiu ao terraço da padaria e, sem qualquer explicação, atirou o artefato no meio do povo lá embaixo. Em razão disso, uma guerra fora declarada, e desde então a cidade é palco de uma carnificina sem tamanho, com gente se matando e desejando ser morta, sem culpa ou remorsos, simplesmente pelo esporte de virar vítima ou autor de alguma coisa importante. O único que ainda permanece isento de qualquer partido é o alfaiate velho, hoje ainda mais surdo, e completamente cego de ambos os olhos.      

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