Na cidade todos conheciam onde ficava a varanda dos
suicidas. Era na sobreloja dos correios, logo depois de atravessar um longo
corredor, local onde um velho alfaiate surdo ainda tinha um negócio que teimava
em levar adiante; pois era lá onde ficava a varanda dos suicidas. Quem
quisesse chegar até lá, bastava subir as escadas que ficavam ao lado da loja dos
correios e bater na porta do velho alfaiate surdo. Como o desejo de chegar até
a varanda dos suicidas era habitualmente a única razão de alguém querer bater à
porta do velho alfaiate surdo, ele podia reservar o conhecimento da sua
deficiência só para si, uma vez que ao atender quem quer que fosse que o
importunasse – e ele reconhecia seus visitantes pelo andar vacilante que
testemunhava através da janela de onde trabalhava, coisa que o fazia largar a
tesoura e os moldes para se encaminhar automaticamente até a porta de entrada -,
o alfaiate, então, sem escutar batida nenhuma, e até mesmo antecipando qualquer
batida, não esperava o visitante dizer nada, simplesmente abria a porta e
indicava com um gesto sem ânimo o caminho por onde chegar até o destino
desejado. No início de tudo, quando a varanda era só e apenas uma varada como
qualquer outra varanda, foi um primeiro maluco que encomendara um colete ao
alfaiate, naquela época ainda não tão surdo, só parcialmente surdo, que ao
vestir o tal colete decidiu tomar um ar fresco na varanda e terminou por se
atirar lá de cima. A ele seguiram outros, e cada vez em frequência maior até
chegar ao ponto de se dispensar completamente os serviços do alfaiate, nessa
época já bastante ou completamente surdo, indo cada um diretamente servir-se da
varanda que de tanto ser utilizada para suicídios virou a hoje conhecida e bastante concorrida varanda dos suicidas. Era de fato o que se poderia chamar de um
ponto turístico. Seja para quem desejasse se matar, ou para quem quisesse
assistir quem quisesse se matar, a varanda dos suicidas podia gabar-se de
reunir sempre um contingente considerável de curiosos ao seu redor. Houve,
porém, um fato que mudou a rotina quase que diária dos suicídios. Na ocasião de
mais um deles, quando Godofredo pediu permissão para usufruir dos serviços da
varanda, antes de se atirar para o chão da praça, recebeu uma bala direto no
peito, vindo a morrer não da queda inevitável, mas da própria bala que o fez
perder a vida antes de despencar para o chão lá em baixo. Soube-se, mais tarde,
que a bala veio de outra varanda, uma do outro lado da praça, local que ficou
conhecido como a varanda dos assassinos franco atiradores, inaugurando assim
uma nova prática: quem desejasse matar os aspirantes à suicidas da varanda dos
suicidas posicionava-se com um rifle na varanda dos assassinos franco
atiradores, somente a espera do candidato perfeito, coisa que todos os que se
serviam da varanda dos suicidas o eram. O público na praça cresceu, todos sempre
vidrados no espetáculo de balas riscando o ar e de corpos despencando para o
chão da praça. Houve, porém, outro fato decisivo para que as coisas se
modificassem ainda mais. Na ocasião de mais um evento sangrento como tantos
outros, antes da Dona Lucrécia puxar o gatilho para alvejar o jovem Alcebíades,
uma granada foi jogada em plena praça, matando um não sei quanto número de curiosos.
A ação fora perpetrada por um padeiro que subiu ao terraço da padaria e, sem
qualquer explicação, atirou o artefato no meio do povo lá embaixo. Em razão disso, uma
guerra fora declarada, e desde então a cidade é palco de uma carnificina sem
tamanho, com gente se matando e desejando ser morta, sem culpa ou remorsos,
simplesmente pelo esporte de virar vítima ou autor de alguma coisa importante.
O único que ainda permanece isento de qualquer partido é o alfaiate velho, hoje ainda mais surdo, e completamente cego de ambos os olhos.
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