Havia uma cabine telefônica debaixo de uma marquise cuja
sobreloja há muito tempo estava abandonada. E dentro da cabine telefônica havia
esse telefone que diariamente e sempre no mesmo horário tocava três vezes. Eram
exatas três campainhas estridentes. Todas elas bem audíveis e sempre
desprezadas. Quando o mendigo Silas esboçou uma vaga intenção de se aproximar
da cabine telefônica em uma das ocasiões consagradas pelo ressoar do aparelho,
alguém lhe gritou ao longe que era não só ridículo como também mais do que
risível que alguém se dignasse a querer falar com um mendigo maltrapilho através
de um aparelho de telefone, portanto, que ele deixasse de frescura e seguisse
seu caminho. E foi o que ele fez. E como tudo o que se repete tem a admirável
propriedade de se tornar um hábito, ainda que estejamos falando da mais
estúpida das recorrências, o telefone junto ao seu pedido nunca atendido virou
um marco fundamental para a rotina daqueles que marcavam território no
perímetro alcançado pelos seus decibéis. As três campainhas diziam claramente
para Adamastor, o padeiro, que era hora de recolher a fornada de pães, assim
como significava um decisivo puxão de orelha para que Clotilde, a fiadeira,
acordasse de seu sono profundo, todo ele encaixado no intervalo que antecedia
ao toque do telefone que ficava dentro da cabine telefônica debaixo da marquise
cuja sobreloja há muito tempo estava abandonada. E lá se podia avistar a porta
da Dona Maricota se abrir para mais um passeio com o seu vira-latas sem nome,
ambos sábios de que o telefone era um amigo que vinha advertir sobre a tão
esperada hora do dia em que se podia esticar as quatro patas por aí, no caso do
vira-latas sem nome, e as outras duas pernas gordas, no caso da Dona Maricota. E
eis que um dia, quando tudo parecia organizado para que a existência não mais
incorresse em imprevistos de nenhuma espécie, um forasteiro cujo nome ninguém nunca
soube socorreu ao pedido proibido e até então protegido com tanto esmero. Sua agilidade
em apanhar o fone do aparelho falou mais alto do que o entendimento da
iminência daquele gesto inapropriado. Silêncio. Todos miravam com o ar preso na
garganta a figura estática do forasteiro dentro da cabine telefônica que ficava
debaixo da marquise cuja sobreloja há muito tempo estava abandonada, esperando
decifrar no seu rosto a mensagem que lhe vinha sabe-se lá de onde. Depositou o
fone no gancho e seguiu seu caminho. Nada disse, nada comunicou com gestos o
que acabara de ouvir. Desde então o telefone nunca mais tocou, mas ainda
continua lá, dentro da cabine telefônica, a mesma que ainda aparece debaixo da
marquise cuja sobreloja, parece, em
breve voltará a funcionar.
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