quinta-feira, 24 de abril de 2014

# Parágrafos da Absurdidade


Pouco se sabia dos hábitos nada ortodoxos dos ornitorrincos da Ilha de Java que costumavam atravessar o pesado trânsito de Manhattan na faixa de pedestres saltitando em uma só pata, respeitando rigorosamente a cartinha dos marsupiais da Austrália que atentavam para o perigo dos imigrantes clandestinos de se exporem ao pesado tráfego de taxistas malaios, todos eles especialmente raivosos para com os ornitorrincos e toda a espécie de mamíferos que botam ovos. Foi por esta e outras razões que não vem ao caso que a ativista para assuntos bioéticos, Ludmila Alcântara, alugou um enorme Zepelin de ares retrô ainda na cidade do Rio de Janeiro e, depois de posar nua e cumprir cansativa agenda de sessões de autógrafos com o intuito de angariar fundos para a impressão de manuais de relevância ambiental acerca da necessidade de preservação das calotas polares árticas e antárticas, foi arriscar-se flutuando até alcançar os limites aéreos da Big Apple. Mal se deu conta, porém, que veículos aéreos movidos a ar comprimido não só necessitam de uma autorização especial para flutuar, como também uma vez flutuando não valeria a pena deixar ao Deus dará a tarefa de ir se dar no lugar desejado, já que o verbo flutuar difere na sua essência semântica e geográfica de outro verbo, mais adequado para a situação, qual seja o de viajar com destino a Manhattan a título de salvaguardar essa curiosa espécie imigrante que sabe-se lá porquê é constantemente ameaçada pelos vingativos taxistas malaios, denunciados em sua criminosa demência comportamental em relação aos mamíferos que botam ovos pelos marsupiais aborígenes da Austrália. Sabendo que muito provavelmente o enorme Zepelin não respeitaria orientações verbais de trajeto, Ludmila Alcântara, a ativista para assuntos bioéticos, tratou de relaxar o espírito engajado aproveitando a vista que se descortinava ao horizonte esfumaçado dos trópicos tupiniquins. Soprada para os recônditos infinitos do Atlântico, não hesitou em sacar da bolsa antigos folhetos educativos contra o cruel comércio de pele de focas albinas colocado em prática por esquimós do nordeste canadense, atirando-os por sobre as cristas das ondas na esperança de que as correntes marítimas conscientizassem em levar para as regiões afetadas por tão nefasto ato o importante apelo de ‘salvem as focas albinas!’. Enquanto isso, numa visível atitude de desrespeito para com o andamento das causas sociais, Elias Carneiro esparramava as banhas preguiçosas no sofá verde-limão do quinto andar do seu prédio de apartamentos de classe média paulista. Zapeava a televisão com a mão engordurada de batata chips, desatento para o aviso do trovão que dizia: ‘vai chover, mas não na Cantareira!’.

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