domingo, 6 de abril de 2014

Situações extremas cujas regras de civilidade deixam de existir... # O cinema vazio.


Etevaldo, funcionário da empresa embaladora de frangos congelados, fora ao cinema. Uma vez de posse do seu ingresso, notou ele, Etevaldo, que somente ele e mais ninguém assistiria ao filme programado para aquela sessão noturna. O funcionário da empresa embaladora de frangos, sem despistar o desassossego de tal informação, ocupou a cadeira prescrita no bilhete, rodeada por tantas outras, todas elas abarrotadas por fantasmas invisíveis. De natureza exemplar quanto a sua conduta ética e moral, principalmente no que se refere ao cumprimento de compromissos agendados, Etevaldo, o funcionário da empresa embaladora de frangos congelados, prometera a si próprio que naquela noite, exatamente no horário estipulado, iria ao cinema assistir ao filme tal, o que acabou por cumprir exemplarmente, e ainda que se sentisse incomodado pelo fato de somente ele e mais ninguém estar ali, naquela sala retumbantemente vazia, ele, Etevaldo, o funcionário da empresa embaladora de frangos congelados, fez valer a sua palavra e esperou o momento exato da tela iluminar-se para que começassem os procedimentos de segurança, encenados por bonequinhos animados. Era proibido falar alto, fumar, fazer uso do celular e etc, tudo para que aquela pequena aldeia formada por espectadores atentos pudesse conviver civilizadamente pelo menos enquanto durasse a exibição da película. Foi quando ele, Etevaldo, o funcionário da empresa embaladora de frangos congelados, acabou acometido por uma irresistível febre transgressora, uma vontade alucinante de contradizer tudo o que lhe era ofertado como norma a título de fruir exemplarmente o filme que dali a instantes seria projetado na tela. Etevaldo, o funcionário da empresa embaladora de frangos congelados, principiou a gritar palavras ofensivas no meio da sala vazia, montou em cima das poltronas e, como um peão domando um touro bravio, espalhou o conteúdo do saco de pipocas por todo um perímetro impossível de ser mesurado. Aproveitou o tempo de projeção do filme para fazer ligações telefônicas, conversou animadamente consigo, fumou um charuto cubano que ganhara do chefe da empresa embaladora de frangos congelados na véspera... enfim, ele, Etevaldo, o funcionário da empresa embaladora de frangos congelados, fincou bandeira num continente próprio, sendo ele e mais ninguém o senhor das suas ações, não havendo viva alma que o colocasse no seu devido lugar. Voltou para casa triste, prometendo que outro dia voltaria para assistir ao filme, contanto que houvesse ao menos mais um pobre diabo ao seu lado, capaz de lhe podar os instintos quando esses aflorassem em sua natureza exemplar de um dos mais destacados funcionários da empresa embaladora de frangos congelados.

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