sábado, 31 de maio de 2014

Lembro-me de quando as ruas não eram asfaltadas
De quando os pensamentos tropeçavam sem pressa pelos buracos
E lá ficavam sem desejos outros senão o do aconchego do intervalo
Lembro-me de quando as ruas alagavam, barrentas
Sem a presteza do piche que a tudo escoa sem deixar rastro ou memória 
Até a chuva parecia cair em uma preguiça de poesia
Dessas de versos longos que fazem os olhos correr até o horizonte 
Lembro-me de quando tudo era lento
De quando a minha história demorava a virar 
História 

Já vai algum tempo


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quinta-feira, 29 de maio de 2014

Estreias monumentais - # O novo monólogo do ator Lindus Mais que Bélus.


O ator de monólogos Lindus Mais que Bélus resolvera estrear um novo e emblemático monólogo no teatro do centro da cidade, e como estratégia de divulgação tratou de estampar o seu próprio rosto em cartazes e filipetas a serem distribuídos e colados por diversos cantos frequentados pelos habitantes da cidade. Não foram poucos os intervalos comerciais em que Lindus Mais que Bélus aparecia, também nas redes de televisão, para anunciar a sua mais nova empreitada artística. A cidade, que de trabalhos anteriores já conhecia o ator de monólogos Lindus Mais que Bélus, prontamente atendeu ao chamado do ator que, dessa vez, encontrava-se ansioso no camarim do teatro instantes antes de abrir as cortinas para uma plateia lotada e igualmente ansiosa para a grande noite de estreia do mais novo e emblemático monólogo do ator Lindus Mais que Bélus. O diretor do espetáculo, o Sr. Adeptus ao Strelatus, tratou de inquirir o ator Lindus Mais que Bélus a respeito daquela desproposital ansiedade que acometia um dos mais emblemáticos atores de monólogos emblemáticos que ele – e não só ele como também toda a imprensa especializada -, conhecera durante sua larga e extensa trajetória de trabalho nos palcos do teatro da cidade. Inquirido portanto, o ator de monólogos emblemáticos cujo nome verdadeiro nunca se pôde conhecer - restando-nos apenas referir-se a ele pelo seu nome artístico -, disse que patinava em uma crise criativa e que era bastante provável que não conseguiria encontrar a sua personagem a tempo de emprestar toda a sua carga emotiva a ela, e isso tudo antes de a cortina se abrir aos olhos daquela plateia lotada, toda ela ansiosa para ver o ator Lindus Mais que Bélus no exercício do seu mais novo e emblemático monólogo. Com dois beijinhos no rosto de Lindus Mais que Bélus – um de cada lado -, o diretor, Sr. Adeptus ao Strelatus, despediu-se do ator dizendo que tudo daria certo e que aquela passageira descompensação sentimental era coisa típica dos grandes interpretes da atualidade. Após os aplausos e algumas flores jogadas ao palco, bem como alguns gritos efusivos de bravo!, as cortinas se fecharam sem que ninguém ao certo soubesse se aquele que viram em cena era de fato o ator Lindus Mais que Bélus ou algum sósia já bastante envelhecido, arrastando-se de um lado ao outro numa canseira não se sabe se dramática ou própria do ator que dela não conseguia livrar-se. A cidade só soube da repentina morte do Ator Lindus Mais que Bélus no dia seguinte, quando a grande noite da estreia já havia sido completamente apagada da memória de todos.


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Olhei para dentro
No pouco ou quase nada que havia 
Compreendi o quanto de mim é cheio ou quase repleto 
De
Periferia 

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As madrugadas são como coxias escuras e frias
Antessala do palco dramático 

Na beirada do acontecimento -
Antes de a vida dar-se por inteira -,
Algo invisível diz:
Silêncio! 
Eis a cortina a subir

E nesse intervalo de duração incerta
Ainda que a sombra seja-me breve
Duro por inteiro 

Aqui preservo um pouco de mim dos olhares alheios
Aqueles que uma vez me vendo
Tornar-me-hão em pedaços
Dizendo:

Ação!


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Quando pensei em escrever uma fábula

Veio-me a vida

E disse:


Era uma vez...



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terça-feira, 27 de maio de 2014

Nada há de oculto que aos olhos não se mostre


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Não sinto
E quando sinto já vejo que deixo
De sentir
Vai embora o sentimento
Sobrando o vazio
De um lamento
E isso é tudo o que sobra
Dessa impossibilidade minha
De por inteiro
Existir 


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Vejo através de tão pouco

Percebo sentidos invisíveis em tanto quanto o nada que há escondido -

E que se dá a perceber...

E isso alivia-me sobremaneira 

Não havendo substância em nada

Todas as formas vazias

Viram (ou dançam em) 

Poesias


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Sou como uma peça dentro de um tabuleiro cujo jogo não sou eu
As fronteiras que me oprimem são as mesmas que me libertam
Vejo-me
E só posso ver-me porque há pontos em que possa debruçar, beiradas sedimentadas de limites impostos - daqui de longe rogo ter uma visão privilegiada de mim
Sou quem sou: pequeno!
Estivesse eu na posição de senhor de mim mesmo e toda a liberdade que sei que tenho sumiria como matéria de um sonho enfeitiçado
Não!
A prisão que me encerra é a responsável pela minha alforria
O mundo é um teatro
E sei bastante bem que enredo nenhum depende desse pequeno e ínfimo personagem patético que sei que sou
Libertar-se é saber-se impotente
Tudo o mais é desvario
Onipotência fingida de quem mal desconfia que finge 

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segunda-feira, 26 de maio de 2014

Veio o vento

Soprando tudo

Só deixando o vazio

Por dentro


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Queria fazer poesias sobre passarinhos 

Olhar para o céu e encontrar rima

Mas versos meus batem asas

Só cabendo dentro 

Do que me anima.


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Há quem estacione e veja o mundo passar
Há quem passando não entenda que o mundo é isso
Coisa que fica
Sejamos nós passantes 
Ou desejosos
De ficar

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Eu minto

Mas só para não perder o hábito

De dizer

A verdade


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# Instrumentos de orquestra: piano.


Um conceituado afinador de pianos que morava numa vila nas montanhas fora requisitado para afinar o famosíssimo piano da orquestra estatal da capital do estado que seria utilizado pelo não menos famoso pianista russo Orostov Vassiliev no concerto que comemorava o aniversário da sala de concertos. Na noite do concerto, Orostov Vassiliev tivera que interromper a sua inspirada interpretação já no meio do primeiro movimento em função da completa desorganização tonal em que as teclas do piano foram dispostas, fazendo instalar um clamor dramático não só na orquestra, mas também na plateia, que nunca na história vira um único músico desistir de seguir adiante com a música. Chamado para prestar esclarecimentos, o conceituado afinador de pianos justificou a confusão colocando a culpa na qualidade do ar que, diferente da atmosfera rarefeita das montanhas – local onde ficara famoso por afinar todo e qualquer tipo de pianos com a mais destacada maestria -, reunia propriedades a ele desconhecidas, prejudicando uma correta sequência harmônica das notas. Perguntado se um piano das montanhas não teria exatamente a mesma constituição de um piano da capital do estado – que ficava localizada ao nível do mar -, o conceituado afinador de pianos replicou negativamente, dizendo que um piano das montanhas era um pianos das montanhas, muito diverso daqueles que se encontravam ao nível do mar. Convidado para um novo concerto, dessa vez nas montanhas, o famoso pianista russo Orostov Vassiliev pôde, de fato, constatar aquilo que o conceituado afinador de pianos já dissera: há pianos e pianos, e os das montanhas são definitivamente diferentes daqueles que são dispostos ao nível do mar.

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Confessa-te

Queres justiça

Mas quando injustamente agem contra ti

Comemoras!

Como se dissesses ao mundo:

Vejam como sofro!

E assim te confortas, passando a vida inteira a sofrer, ajuntando ao redor de ti um contingente infinito de outros sofredores feitos à tua imagem e semelhança 

Incapazes todos de habitar o vazio da liberdade

Esse sim um fardo insuportável!

Pois então, dizes orgulhoso e cheio de chagas - e desejando-as ainda mais! -,

Marchemos contra a injustiça!



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Divirto-me com a dor que não sinto

Experimento tragédias sem chorá-las

Tal qual um boneco articulado

Canso-me no agir das agonias

Mas, no fundo

Padeço em silêncio

De vazios emblemáticos 

Daquilo que invento ser

E nunca fui


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Cansei de rumores!

Revelar-me-ei:

Sou um poço de mistérios...


Desdigo o que digo

Para que tu não digas:

A-há!

Entendo-te!


Pena dos que fazem das letras

Cantilenas

Como carimbo de tinta fresca

Daquilo que ao coração ditam...


Ah, o bendito coração que sente!


Meu circunlóquio é cerebral 

Pauto matérias em encruzilhadas

Regendo sinapses em sinfonias sem sentido

Queres um?

Pois que vá tu consultar teu terapeuta!

Oh bendita fase de crises hiperdramáticas!


Tudo o que foge ao ritmo sem motivo

Vira heresia excêntrica 

Sem gramática!


Disse eu ao meu poema:

Revoltai-vos, oh versos dodecassílabos!

Pentâmetros iâmbicos

Brancos e compostos

Que o mundo não vos imponha essa coisa linda de reverberar por dentro o que por fora não chegai sequer perto de raspar!


Fora! Fora! Fora! 

Fora o com as delícias do recheio

Que empapam o focinho de delícias

Enjoando as mais resistentes tripas! 


Danem-se as substâncias!

O que eu quero é remar

Bem pra lá

Para longe da mesmice 

Na crista da onda

Da superfície!


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sábado, 24 de maio de 2014

Há dois livros que se levar para uma ilha deserta
Um para ler
O outro para fazer fogueira...
Caso essa página que agora lês esteja dentro de um livro
Ainda guardo comigo uma última esperança
De que uma ilha 
Não te aconteças 

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Como pode o ator querer dizer qualquer verdade, ou aspirá-la como princípio

Se ele, ator

Finge que sente

E isso, justamente

Porque a ele mesmo coube esconder-se em outra mentira que não existe?

E nessa dupla ficção, a dele e a da personagem

Dobrada a mentira

É possível dizer, enfim

Que haja aí

(Na impossibilidade)

Alguma - ainda que frágil 

Verdade


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Pudesse e eu não seria

Sendo, de qualquer modo 

Faço de mim objeto visto

Não entendo-me por dentro

É por fora que reparo

E existo


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sexta-feira, 23 de maio de 2014

Verso não é um remendo

Desses que ao acaso com o coração costuras

E ao final se diz

Não entendo


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Serei eu a ter de lhe dizer

Que essas palavras não tem razão outra

Que não seja

Ler?


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A leitura é um esforço inútil como o é também a vida
Correm-se os olhos por parágrafos infinitos
Em busca de algum que faça sentido
As letras que nos enrolam enrolam também as frases
Que enroladas embaralham o parágrafo
Todo ele compelido em fazer do capítulo um conjunto de confusões semânticas
Onde está a mensagem que nos explique o sentido de continuar lendo?
E, no entanto, continuamos
Exatamente como para viver de outra razão que não seja essa, viver
Precisamos

A vida e a leitura são a mesma coisa
Um caminho de encruzilhadas que não nos foi dado ao convite
Mas que a elas prontamente nos apresentamos
Ainda que o porquê - quase sempre
Ignoramos

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Que eu nunca consiga ver-me
Que eu jamais entenda: esse sou eu
Que eu permaneça assim: não sendo
Para que eu possa
Ser

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O que somos é cópia indigna do que imaginamos ser
Para evitar um monólogo impossível de suportar
A vida nos chega como farsa, dizendo:
Temos um papel para você!

E assim passamos nosso tempo mentindo que dizemos a verdade
Até que o cerrar final das cortinas dê estalo aos aplausos
Mas aí já é tarde demais para voltar

Quando desistimos de fingir
Já não há mais palco que nos acolha
Sobram os ecos em comemoração
Ao que nunca pudemos de fato
Ser

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O que sobra dizer se tudo já foi dito?
Que rima nova encaixa se os versos já são versos antes mesmo de aprendermos a versejar? 
O que sou eu senão o desejo de tudo apagar e ao mundo responder:
Ouça-me! 

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Dizem que no meu país não há país
Pelo menos não um com que se orgulhar
Antes assim
Pior que a nada pertencer é saber-se pertencido
Como quem é levado pela correnteza 
Vencido

O que sobra da falta de orgulho é o terreno
Esse sim posso e desejo chamar de meu
Onde piso 
É o país que prezo

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Haverá um dia uma filosofia da esquina
Daquilo que se podendo ver e tocar
Produz-se filosofia
Mas, nesse dia
Já não saberemos se nós
Sonhamos
Ou deixamos
De pensar
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Criar um outro de si mesmo
Pois fugir não é fugir de quem se é
Senão ver-se em versão dobrada
E ser incapaz de o completar
Nem a cópia produzida e imaginada
Tampouco quem a pensou e a produziu
Inventar é fazer acontecer intervalos
Todos impossíveis e repletos 
De vazios
Tudo isso, e
Mais
Nada 

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quinta-feira, 22 de maio de 2014


Morreu de quê?
- Engasgado com tanto dizer

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# Legados homéricos: Os espólios do escritos de períodos longos e frases intrincadas.


O escritor de períodos longos e frases intrincadas soube que a dinâmica do tempo é soldado cruel, esvaziando o espírito num tic-tac até lhe esgotar a alma e fazer sobrar essa carcaça energúmena que vive a pairar pelas ruas atulhadas de outras tantas carapaças vazias. E assim sucessivamente, apagando qualquer vestígio de sapiência na medida em que o calendário voa. Por isso, e quando ainda em vida – hoje já misturou-se ao pó de onde veio -, fez do seu legado uma maldição, rogando às suas linhas o poder de calar o verbo de todo aquele que buscasse no dicionário o sentido daquilo que a gramática o soprava, facilitando a tarefa que por princípio deveria manter-se  difícil e intransponível. Se era direito de cada homem tornar-se um tapado-mentecapto incapaz de conviver com tudo o que fizesse coçar os miolos, que ao menos mantivesse para si o tesouro da burrice, tapando o gogó ansioso por divulgar em praça pública o banquete sem sal da sua própria miséria. E assim se fez. E em pouco tempo, com o fluir da ampulheta da existência, todos estavam mudos, ou quase mudos, sobrando apenas um músico que não era muito respeitado por sua erudição semântica. Pois ao entrar em contato com o texto misterioso, sacou a flauta da mochila e tratou de tocar as palavras ao invés de ansiar por enxergar através delas. O que nunca primou tanto pelo verbo acabou sendo o único herdeiro de toda uma geração de aspirantes à intelectualidade.

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Ainda transbordaremos de conjecturas
Exatamente como numa seca ao inverso
Morrendo o terreno fértil
Pela fartura
Do verso

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Ah, os poetas do sentimento...
Essa coisa linda de eu sinto
Pois vão todos lamber sabão!
Eu não
Eu minto!
E se faço-o crer que me lamento
Ponto para esse que vos escreve
Dançando em letras
O que não se deve
Valsas ludibriadas de ritmos diversos
(Um dois três / Um dois três)
Rimou? - Já valeu a vez
E tu aí a desejar a verdade?
E justo com os versos?
Piedade!
Quem se atreve?

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quarta-feira, 21 de maio de 2014


Sou patriota no intervalo
Só quando não importa
No restante dos atos
Quando os atores soltam o brado
'Avante, povo sofrido!'
Me enfado
Exatamente como quem rumina o jogo pela segunda vez
Já sabendo
O resultado

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# Reviravoltas programadas: O professor enfastiado de literatices...


Era professor; sempre fora professor. Era o que lembrava ser desde o dia em que se soube alguém: um professor que galgava as horas empilhando tijolos da astúcia intelectual como se a sapiência formasse o cimento fundador de toda uma Babel de utilidade pública e íntima. Certa vez, já bastante acimentado na certeza de que o céu dos eruditos não é nada rarefeito de brisas refrigéreas em comparação aos que rastejam no limbo lamacento do chão batido, viu que o vigia da rua de terra por onde fazia desfilar seu carro feito tílburi puxado por alazões emplumados morrera de ataque repentino. Candidatou-se ao cargo. Desejava fortemente experimentar a filosofia dos que nada precisam falar, explicar, comparar, enfim, daqueles que existem simplesmente para mirar o nariz ao horizonte sem a obrigação de aspirar poesia onde rima alguma dá conta de rimar, senão o próprio tédio dos ares que embalam o fluxo ininterrupto da vida. A posse do novo cargo não foi ocasião digna de serpentinas pela vizinhança, ao contrário, houve quem lhe atribuísse certa espécie de demência acadêmica, moléstia que atinge especialmente aqueles que forçam demais a mente por longos períodos ininterruptos, eclodindo grave revolta do corpo que por tanto tempo vira-se atado à ditadura das sinapses dos miolos. A verdade é que silenciara por completo, preenchendo seus monólogos contemplativos com longas meditações sonolentas, vagares noturnos e trotes nada ágeis. Os vizinhos que o espiavam em sua nova labuta tomavam-o com pena, até mesmo despertando aquela espécie de piedade generosa que somente os miseráveis sem salvação podem acionar no pior dos engomados. Cercaram o ex-professor de afagos caridosos e polpudas cestas de guloseimas, e isso até a presente data, quando o novo vigia veio a juntar-se ao antigo, companheiros de piripaques repentinos e sócios em vai saber qual dimensão oculta.  

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Para ser 
É preciso deixar de ser
Esse 'não sendo' é fundamento
Senão da ciência
Da consciência 

Só é consciente quem não mente
E é no exercício da mentira
Que se fala a verdade
A verdade, por ela própria 
Não é mais que outra coisa
Que a impossibilidade de se revelar
A verdade

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Só vale a pena
Quando nada vale a pena
Um drible é toda uma constituição
Discurso inútil do efêmero 
Daquilo que nasce e morre sem motivo
Sentido
Ou 
Razão 

E é só por isso que vale a pena viver
Para nada senão para o ato
Pobre de nós advogados da esperança
Basta acontecer
Que os dias acumulam-se em futuros impalpáveis -
Haja contratos! -
E infundados desejos
De herança

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Se me vejo
Pouco entendo
Sou para mim matéria de esquecimento
Existo para tão logo soprar
(Ou ser soprado)
Sumindo ao sabor do
Vento
Expatriado

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sexta-feira, 16 de maio de 2014


Inverti os motivos
O que vi foi o sentido sem motivo
Quando de pé via o mundo
Em sentido

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Não sou desses poetas que enobrecem a pena
Dançando as letras em melodias coloridas
Se é dura a matéria da vida
Elimino tudo
Sobrando eu
Num único eco
Sem rima

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O que tanto fareja um cão?
Será matéria justa de se farejar
Ou é o focinho 
Que uma vez existindo -
E em comunhão com o chão,
Diz:
Bora trabalhar?

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Saudades da neve
Saudades do silêncio da neve
Do silêncio do frio 
Que só cai quando cai
A neve

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# Fins Imerecidos: O aspirante à genialidade


Buscando na ciência da história a equação da genialidade, houve por descobrir que todo artista dignatário da página de ouro da eternidade fora em vida um louco de pedra. De posse de tão preciosa informação, subiu de imediato no parapeito do prédio onde morava e imitou uma pata-choca para o horizonte a fim de aspirar os primeiros vapores da inspiração poética que o levariam ao carimbo da lembrança dos viventes. Não contava com outro vento, o da natureza mesmo, aquele que sopra porque sopra, sem avaliar os merecedores de nada e juntando no mesmo balaio os paquidermes, mentecaptos e gênios. Na ocasião do seu enterro, a única obra visível era a lápide cinza-granito, tão emparelhada com outras semelhantes que não se sabia distinguir se entre as almas penadas era ele, verdadeiramente, o mais destacado dessa nova sociedade de invisíveis. Entrou assim para a história, morrendo num ímpeto forjado de loucura, e sem deixar qualquer memória.

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Não sou eu
É só um pouco de mim
A parte inventada, é verdade
Mas fora isso
Trago comigo o que sempre fui
Um tanto enorme de ser
Impossível
De se esconder.

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quinta-feira, 15 de maio de 2014

Ao pobre ator (sofredor!):

Quem de si mesmo fugir
Consegue?
Já que o mistério é ser quem se é
Inventando jeitos de mentir 
Ao menos que a mentira seja consciente
Fazendo do mentiroso
Seu próprio forjador
Agente 

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Condeno-me a ser
Sendo
Inventando quem não sou
Vivendo 
Um que nunca fui
(Quem sabe seja ou tenha sido?)
Tomara saiba assim
Quem é esse que por tanto tempo chamo
Por
Mim

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