O escritor de períodos longos e frases intrincadas soube que
a dinâmica do tempo é soldado cruel, esvaziando o espírito num tic-tac até lhe
esgotar a alma e fazer sobrar essa carcaça energúmena que vive a pairar pelas
ruas atulhadas de outras tantas carapaças vazias. E assim sucessivamente, apagando
qualquer vestígio de sapiência na medida em que o calendário voa. Por isso, e quando ainda em vida – hoje já misturou-se ao pó de onde veio -, fez do seu
legado uma maldição, rogando às suas linhas o poder de calar o verbo de todo
aquele que buscasse no dicionário o sentido daquilo que a gramática o soprava,
facilitando a tarefa que por princípio deveria manter-se difícil e intransponível. Se era direito de
cada homem tornar-se um tapado-mentecapto incapaz de conviver com tudo o que
fizesse coçar os miolos, que ao menos mantivesse para si o tesouro da burrice,
tapando o gogó ansioso por divulgar em praça pública o banquete sem sal da sua própria
miséria. E assim se fez. E em pouco tempo, com o fluir da ampulheta da
existência, todos estavam mudos, ou quase mudos, sobrando apenas um músico que
não era muito respeitado por sua erudição semântica. Pois ao entrar em contato
com o texto misterioso, sacou a flauta da mochila e tratou de tocar as palavras
ao invés de ansiar por enxergar através delas. O que nunca primou tanto pelo
verbo acabou sendo o único herdeiro de toda uma geração de aspirantes à
intelectualidade.
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