quinta-feira, 22 de maio de 2014

# Legados homéricos: Os espólios do escritos de períodos longos e frases intrincadas.


O escritor de períodos longos e frases intrincadas soube que a dinâmica do tempo é soldado cruel, esvaziando o espírito num tic-tac até lhe esgotar a alma e fazer sobrar essa carcaça energúmena que vive a pairar pelas ruas atulhadas de outras tantas carapaças vazias. E assim sucessivamente, apagando qualquer vestígio de sapiência na medida em que o calendário voa. Por isso, e quando ainda em vida – hoje já misturou-se ao pó de onde veio -, fez do seu legado uma maldição, rogando às suas linhas o poder de calar o verbo de todo aquele que buscasse no dicionário o sentido daquilo que a gramática o soprava, facilitando a tarefa que por princípio deveria manter-se  difícil e intransponível. Se era direito de cada homem tornar-se um tapado-mentecapto incapaz de conviver com tudo o que fizesse coçar os miolos, que ao menos mantivesse para si o tesouro da burrice, tapando o gogó ansioso por divulgar em praça pública o banquete sem sal da sua própria miséria. E assim se fez. E em pouco tempo, com o fluir da ampulheta da existência, todos estavam mudos, ou quase mudos, sobrando apenas um músico que não era muito respeitado por sua erudição semântica. Pois ao entrar em contato com o texto misterioso, sacou a flauta da mochila e tratou de tocar as palavras ao invés de ansiar por enxergar através delas. O que nunca primou tanto pelo verbo acabou sendo o único herdeiro de toda uma geração de aspirantes à intelectualidade.

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