Soube-se por fontes escusas que um determinado personagem de
uma tragédia encenada nalgum teatro da cidade do interior entrara em greve,
recusando-se a continuar servindo de plataforma às lágrimas melodramáticas do
ator responsável por lhe dar vida no palco. E tudo isso repentinamente, as vésperas
de uma nova sessão. Acusando todos os atores de formarem uma raça de completos
falastrões mentirosos, arrumou então as malas e munido daquela dignidade
invejada só possível às figuras invisíveis, foi-se embora ainda debaixo do
ressoar do terceiro sinal. Como não havia maneiras de cancelar o espetáculo
daquela fatídica noite, o ator órfão, apartado definitivamente de seu colega fictício,
entrou aos empurrões em cena, dessa vez completamente vazio de sentimentos e a
exemplo de um equilibrista que vê durante seu número a rede de segurança ser
retirada do fundo infinito dos seus pés. Os aplausos foram estrondosos. E ao
final do espetáculo constatou-se obter o melhor dos desempenhos possíveis,
chegando inclusive a angariar o principal troféu que era distribuído anualmente
aos intérpretes dramáticos mais competentes do interior.
Quanto ao personagem desertor, pouco se sabe de seu destino.
Sumiu.
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