Sobre a morte precoce do promissor tragediógrafo Sófilus Antónius
muito se conjecturou; alguns metidos a filósofos diziam que a alma de Sófilus
Antónius não era afeita a grandes emoções e por isso traindo o próprio dono ao
surrupiar-lhe a flor da existência antes mesmo dos beija-flores sorverem seu
necessário néctar bastante raro nesse mundo atual de zangões da arte; outros
associavam a uma grave constipação intestinal seguida por uma irreversível
hemorragia do trato excretor a moléstia que levou Sófilus Antónius a evacuar
cedo demais para o anonimato privilegiado dos defuntos; enfim, tanto fazendo
uma quanto outra hipótese – deixando a nós a imaginação de considerar outras
tantas – o fato mesmo é que o tragediógrafo Sófilus Antónius morreu antes
disso, e foi mesmo de desgosto profundo, isso porque logo na sua peça de estréia,
cujo destino quis que fosse também a última, Sófilus Antónius capturou um único
embora grave erro do protagonista que ao invés de urrar o típico ‘Ai de mim’
das personagens já a beira do abismo fatal incluiu um ‘s’ inexistente, talvez
por uma sibilação involuntária em razão do cansaço bastante compreensível de
quem já por tantas horas carregava nas costas o piano das dores metafísicas, soltando
um curioso ‘Sai de mim!’ e dando a entender, embora o texto de Sófilus Antónius,
jamais quisesse dizer isso, que houvesse um encosto a grudar na alma da
personagem sendo justamente ele (ou ela), esse tal encosto invisível, o responsável
por todas as agruras que originalmente encosto nenhum, senão o destino, era
responsável por causar. Imediatamente, ao ouvir a evocação demoníaca do pobre
protagonista, Sófilus Antónius, devidamente postado em seu camarote no teatro,
soltou uma tremenda gargalhada interrompendo imediatamente o espetáculo até o
instante em que o autor da interferência fosse retirado a força da sala para a
continuidade da encenação, terminando ela sem maiores intercorrências e
tampouco sem a percepção do público para aquilo que só o tragediógrafo Sófilus
Antónius pôde notar, a tal da sibilação criminosa que fizera toda sua peça
naufragar, pelo menos para ele, num único estalo de dedos. Nunca mais conseguiu
escrever texto dramático algum, e nas vezes em que ia ao teatro para procurar
inspiração em peças de autores diversos inevitavelmente rompia em risadas
extravagantes em momentos nada risíveis, lembrando do evento fatídico responsável
por arruinar toda uma primavera promissora.
Obs: o ator autor do sibilo involuntário continua sua profícua
carreira nos palcos.
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