Não há aqueles ratos alvos e de olhos esbugalhados e
vermelhos que são criados especialmente para servirem de iscas vivas às cobras
famintas dos institutos de soro antiofídico? Pois então, como recriminar a
prática instaurada naquele zoológico do interior que passou a servir crianças
serelepes e barulhentas para saciarem os apetites das feras enjauladas? Os pais
levavam os próprios rebentos para o parque, instigavam os pimpolhos a pularem a
cerca que separava a raça evoluída dos quadrupedes de mandíbulas afiadas, e,
uma vez lá dentro, a meninada dava início a um cerimonial de aporrinhação
gradual que compreendia desde a execução de danças provocativas, passando a um
repertório de línguas a mostra e gestos insinuantes de que os bichos selvagens
não eram de nada lá-lá-lá-lá-lá, até chegar ao clímax hediondo de bruxulear com
uma pena de ganso atada aos dedos a parte inferior do focinho úmido dos animas
cativos. Ainda que nada famintos, talvez por haverem degustado uma turma de
quinta série já naquela manhã, e também diferentes de nós que a tudo
contemporizamos sob pretexto de manter a dignidade de uma civilização erigida
por séculos de labuta intelectual a título de reprimir a selvageria, as feras,
feridas na sem paciência, avançavam no agente perturbador para num só golpe
acabar com o barato, diferente das cobras, que por uma razão só delas,
insistiam em demorar a engolir o rato preso entre as presas peçonhentas. Aos
pais que a tudo assistiam, primeiramente esfuziantes e depois afogados em
lágrimas, era oferecido um apoio psicológico através de um pacote de sessões de
terapia regulares, além de um pequeno diploma que os agradecia pela preciosa
ajuda dada em nome da perpetuação das espécies ameaçadas de extinção, e, por
isso mesmo, tratadas com tanto esmero por aqueles que decidiram as preservar
atrás de grades especialmente construídas.
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