segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Fábulas: # As feras palitam os dentes...



Não há aqueles ratos alvos e de olhos esbugalhados e vermelhos que são criados especialmente para servirem de iscas vivas às cobras famintas dos institutos de soro antiofídico? Pois então, como recriminar a prática instaurada naquele zoológico do interior que passou a servir crianças serelepes e barulhentas para saciarem os apetites das feras enjauladas? Os pais levavam os próprios rebentos para o parque, instigavam os pimpolhos a pularem a cerca que separava a raça evoluída dos quadrupedes de mandíbulas afiadas, e, uma vez lá dentro, a meninada dava início a um cerimonial de aporrinhação gradual que compreendia desde a execução de danças provocativas, passando a um repertório de línguas a mostra e gestos insinuantes de que os bichos selvagens não eram de nada lá-lá-lá-lá-lá, até chegar ao clímax hediondo de bruxulear com uma pena de ganso atada aos dedos a parte inferior do focinho úmido dos animas cativos. Ainda que nada famintos, talvez por haverem degustado uma turma de quinta série já naquela manhã, e também diferentes de nós que a tudo contemporizamos sob pretexto de manter a dignidade de uma civilização erigida por séculos de labuta intelectual a título de reprimir a selvageria, as feras, feridas na sem paciência, avançavam no agente perturbador para num só golpe acabar com o barato, diferente das cobras, que por uma razão só delas, insistiam em demorar a engolir o rato preso entre as presas peçonhentas. Aos pais que a tudo assistiam, primeiramente esfuziantes e depois afogados em lágrimas, era oferecido um apoio psicológico através de um pacote de sessões de terapia regulares, além de um pequeno diploma que os agradecia pela preciosa ajuda dada em nome da perpetuação das espécies ameaçadas de extinção, e, por isso mesmo, tratadas com tanto esmero por aqueles que decidiram as preservar atrás de grades especialmente construídas.


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