O primeiro comediante tratou de ser tradicional e apareceu
com o pescoço esganado por uma gravata dentro do armário de roupas, exatamente
entre o suéter de lã e a jaqueta de couro. O segundo comediante, dali a alguns
dias, tivera o ímpeto bravio dos machões que não medem conversas por meias
palavras, estourando os miolos com um tiro seco e sem perdão. O terceiro
comediante, aquele que se amarrou à linha do trem, pertencia ao rol dos dramáticos
e tentou deixar um bilhete explicando suas medidas desesperadas, mas sem sucesso - a
letra tremelicante do condenado na iminência de selar o destino sem volta impediu
que houvesse um epílogo formalmente compreendido -, o que o obrigou a entrar para
a eternidade assim mesmo: atropelado como tantos outros, sem a alcunha de um
monólogo emblemático, na fila dos anônimos, e tampouco merecedor de direitos
autorais. Somente quando o quarto comediante desiludido fora flagrado submerso
na hidromassagem, já azul e de olhos esbugalhados, foi somente aí, pressionado
pela sociedade, que o governo resolveu tomar alguma providência. Uma comissão
de especialistas articulou-se para entender o fenômeno até então desconhecido,
chegando à conclusão, depois de análise minuciosa do inquérito, que a cada vez
que uma piada sem graça era detectada em um lado da cidade, do outro, e imediatamente,
um comediante tirava a própria vida. Estava armada a encruzilhada jurídica: sancionar
uma lei abolindo o direito dos incapazes de tentar fazer o povo rir, e por isso
assassinos indiretos dos capacitados para tal, ou, mantendo as coisas no
patamar em que estão, preservar a liberdade de expressão, arcando com a
estupidificação geral, já incluindo aí as futuras e novas baixas – não tantas,
porque já se faz notar a escassez de indivíduos assaz inteligentes...?
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