quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Fábulas: # A Agência de Conceitos...

Caro interlocutor desconhecido cujos olhos agora acompanham estas palavras de outrem não menos desconhecido ao mesmo tempo em que rói vossas unhas justamente porque a existência não te conferiu profundidade outra fora o ato de olhar para onde quiseres olhar e unhas para que possas roer, anuncio pois, e para a salvação de ambos – eu que o desconheço e tu que me desconheces -, e em primeira mão, que encontrei aquilo que há tanto tempo andava procurando: um jeito de substanciar esse meu eu já tão oco e sem substância quanto o oco vazio de um poço oco, sem água, já no limite da aridez que um poço, justamente porque oco e seco, possa vir a suportar. Entrei, pois, para essa Agência de finalidades sublimes cujos fins ainda não me foram apresentados, e cujo princípio fundamental e pioneiro é mais do que claro e está, grifo meu, em conferir conceitos a tudo o que possa ser conceituado, fazendo daquele que conceitua, eu portanto, um agente fervilhante de criatividades ultra exponencial, revertendo em jorros de vida aquilo que antes, como já o disse, padecia como sertão de vida enrugada, ou quase sem vida, ou totalmente morta, e enrugadíssima de peso existencial, ou seja, o eu que o era e, graças a essa Agência miraculosa de milagres inequívocos, já não o sou mais. Perceba, caro interlocutor, que o mero fato de reportar-me a ti já confere a mim uma felicidade da ordem do incalculável, já havendo aqui, caso não o tenha percebido, uma função conceitual de gravíssima, ou grandíssima, ou ambas as coisas, importância – tu lês este texto enquanto eu o escrevo, ainda que quando o leres eu já o tenha escrito e, provavelmente, esteja eu conceituando em outra praia enquanto tu ainda és alvo dessa luminosidade tardia e exemplar a qual te rendes em justificada reverência como um lagarto que lagarteia ao sol nutrindo-se de seus nutrientes vitaminais. Caro interlocutor, a Agência a qual me refiro, e a qual invoco que tu a conheças antes que te faltem unhas nos dedos, ensina-me que lavar as mãos na pia de cerâmica implica num conceito (outro conceito do que seria lavar as mãos, por exemplo, numa hipotética outra pia, de mármore, por exemplo, e não de cerâmica, por exemplo), e que, por uma contingência do destino, vem a ser um conceito completamente particular – o de lavar as mãos – tão diferente quanto outros tantos, quais sejam, por exemplo, o de coçar o cocuruto quando houver coceira, ou o de bater três vezes uma palma da mão na outra ainda que não saibas para quê, ou porquê, ou tanto faz. Porque veja, caro leitor desconhecido, aí está a eureca da tese, ou a tese da eureca: sendo tu o agente conceituador, há, portanto, para qualquer coisa a preciosa chance de descobrir uma finalidade oculta, ainda que tudo esteja tão escondido que seja difícil dizer: a-há, eureca! Caro interlocutor desconhecido, antes que roa vossas falanges invoco-te a procurar o fim desse arco íris onde o pote de ouro é substituído pela incrível capacidade que tu tens aí, embora não saibas, de chafurdar conceitos em tudo, coisa que o fará desistir dessa consciência mui precisa de que és hoje um miserável entregue a essa tua desgraçada condição de reles leitor daquilo que te vier aos olhos, assim como um medíocre mastigador de matérias mastigáveis. Caro interlocutor desconhecido, passar-te-ei o endereço de tal Agência, e, espero eu, que tu não percas a oportunidade que te entrego de bandeja, qual seja, a de te aguar nas fontes transbordantes da matéria criativa e conceitual.


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