No país dos
decapitados ganhava fama quem se decapitava, deixando como prova do sucesso um
vídeo gravado contendo a própria decapitação. Funcionava assim: o candidato ao
estrelado adquiria uma guilhotina portátil, equipamento facilmente adquirível
nas mais frugais lojas de ferramentas e armarinhos das esquinas, armava em
sigilo o treco em casa, deitava a cabeça no buraco reservado para as cabeças e,
por uma cordinha de náilon com uma bolotinha de acrílico na ponta, acionava o
mecanismo que fazia despencar a lâmina afiada, tudo isso, evidentemente,
registrado pela câmera de vídeo, que era a primeiríssima coisa que deveria ser
preparada e ligada para que todo o ritual fosse devidamente registrado até o
instante em que a cabeça rolasse até uma cesta de vime alocada logo abaixo da
geringonça, e de forma que a gravidade agisse sobre aquela massa redonda e
pensante que, se depois de descolada do tronco não podia pensar em mais nada,
havia antes pensado meticulosamente em tudo para que, uma vez transformada em
esfera cabeluda (ou esfera careca para o caso dos carecas guilhotinados)
pudesse rolar tranquila até a sua morada final, ou seja, exatamente na cesta de
vime trançada por palhas secas. Ocorre que, como não havia quem desligasse a
câmera depois do ocorrido, o material gravado continha um único instante de
clímax, seguido de uma eternidade de vazio sem drama algum, no máximo um
espichar de sangue monótono. que mesmo assim durava só até a altura do corpo
virar algo parecido com uma boia de piscina vazia. Foi aí, então, que
resolveram o problema formando duplas, o segundo auxiliando o aspirante à fama
a se guilhotinar. Mas, como o auxiliar da guilhotinação inevitavelmente
encantava-se com o sucesso do guilhotinado, editando o vídeo no instante
desejado para a produção de um material irretocável, também ele, o auxiliar,
acabava desejando guilhotinar-se, resolvendo esse problema ao chamar um
terceiro elemento que pudesse, ele também, auxiliar na decapitação e captura do
vídeo do segundo, e original auxiliar na decapitação do primeiro. E como o
terceiro encantava-se com tudo, um quarto elemento era chamado para que ele
também, o terceiro, pudesse guilhotinar-se e se tornar famoso. E um quinto, um
sexto, e assim por diante e etc, até que, finalmente, restasse apenas e tão
somente uma videoteca gigantesca de decapitações, toda ela à serviço do último
de todos, que teria a sorte de só ele assistir a todos se decapitando, e quando
bem quisesse, ou até, pelo menos, ele próprio resolver optar pelo mesmo
destino, e caso o fizesse, seria a dele a única e inédita decapitação jamais
vista, e cujo vídeo rolaria eternamente, ou, assim como era no princípio, até o
fim da memória da câmera...
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