quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Fábulas: # O Enforcamento da Faxineira...


Razões não havia, ou eram tantas que não sobrava motivo algum, somente um desejo incontrolável que Odorico experimentou aquela manhã de, finalmente, enforcar a sua faxineira. E só não levou a cabo o plano porque nunca na sua vida teve uma faxineira que faxinasse os seus curtos domínios domiciliares. Porque havendo uma, uma que pudesse chamar de sua, pensou Odorico, definitivamente não só a enforcaria como também serviria à ela um delicioso chá de camomila açucarado com arsênico. Mas antes era preciso arrumar uma faxineira que aceitasse sem admoestações maiores o seu destino de epílogo dramático, porque Odorico gostava das coisas bem explicadas, e nada do que planejava ficaria escondido nas frestas da sua íntima perversão assassina, não! Uma vez encontrada a faxineira, a perfeita candidata e aspirante ao enforcamento seguido do envenenamento por chá de camomila açucarado com arsênico (quem sabe também não a atirasse janela abaixo envolta num alvo lençol de linho?), Odorico faria questão de travar uma conversa franca com ela, explicando suas intenções da maneira mais cordial e afetuosa possível, convencendo-a de que não havia qualquer sentido em começar uma história entre ambos se não houvesse logo de cara um ápice trágico, qualquer coisa que justificasse o enredo dos dias, e que barrasse a modorrenta tirania das tramas sem sal onde as personagem rodeiam por décadas os próprios rabos até que, chegado o momento fatal, literalmente morrem de tédio sem nunca terem sequer arreganhando os dentes para a sombra. Odorico sabia que as grandes figuras são feito pavios de curta extensão, aparecem e já desaparecem, sem sobra de rebarbas ou desvanecimentos em intermináveis palavrórios sentimentais, e que, por isso, a não ser por profunda falta de espírito da escolhida, concederia à ela, à faxineira sortuda, a chance de virar protagonista, enquanto ele, servindo-se do manto humilde dos coadjuvantes, sumiria nos anais da história como mais um a passar ao fundo do palco sem chamar qualquer atenção, mesmo do mais estrábico dos espectadores colado à cena...
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