segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Fábulas: # O Falecimento da Estátua Viva

Por força do matraquear anônimo que levou à baila pública a notícia de que aquela determinada estátua viva havia morrido, exatamente aquela que na praça do coreto e ao lado do chafariz simulava ela própria um querubim a despejar água na fonte dos prazeres, enfim, soube-se que a estátua viva de torso prateado e semi-nua e com um dos pezinhos suspensos ao vento na pose barroca de algum anjo alado-gorducho a apontar o beiço como quem implora ao céu um beijo estalado, ela mesma, enfim, a estatua viva, já não mais vivia. Porém, acostumada a engessar em vida, coube ganhar da morte a rigidez de outrora, ou melhor, dobrada, e dessa vez ainda mais impressionante, porque, enfim, se é hábito de quem vive desmanchar-se sem rigor algum, espera-se do defunto um desleixo de exponencial habilidade, desmilinguindo o esqueleto para nunca mais tê-lo de pé, coisa que não aconteceu, ao menos não com aquela estátua viva, que agora estátua morta, enfim, preservava a placidez de um bloco firme de mármore, e toda ela lapidada na expressão perfeita e imutável dos querubins talhados com esmero, coisa só comparável ao David de Michelangelo que, enfim, não se sabia se antes de ser estátua morta era, de fato, um David vivo, o que se sabe, ou se soube, é que, advento do bulício geral, uma enormidade de afluxo de gentes foram conferir a recém falecida estátua viva, agora muito mais visitada do que quando, enfim, de fato vivia, havendo passado anos até o presente dia sem que um único tônus muscular fosse desmanchado em função da eternidade imposta, período em que, nota-se, não faltaram romarias dos quatro cantos do planeta a celebrar a maravilhosa estátua que antes vivia, e que, hoje, enfim e por fim, e para sempre, condenada estará à celebridade imutável dos blocos rijos de matéria bruta.

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